Mariano Nhongo assume autoria de ataques em Sofala
Arcénio Sebastião (Beira)
16 de março de 2020
O dissidente da RENAMO assume autoria dos três ataques ocorridos na semana passada na província central de Sofala. Mariano Nhongo diz que os ataques visam travar as ações bárbaras das tropas governamentais contra civis.
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Três ataques armados foram registados na quinta e sexta-feira da semana passada ao longo da Estrada Nacional Nº1 na região fronteiriça de Pungué, entre distritos de Gorongosa e Nhamatanda. Uma semana antes houve mais um ataque contra o posto policial da localidade de Grudja, distrito de Buzi, província de Sofala, no centro de Moçambique.
O ataque de quinta-feira (12.03) visou um autocarro de passageiros que saia de Maputo com destino à cidade de Quelimane, província central da Zambézia. Marta António seguia no autocarro quando os passageiros foram apanhados de surpresa por atacantes.
"Perto de Pungué [em direção à] Gorongosa começaram a atacar todo lado esquerdo e direito. De repente eu vi que tinha entrado uma bala aqui no braço", conta.
Alfredo Simões, condutor do autocarro, após o ataque conseguiu salvar os mais de cinquenta passageiros: "Quando me apercebi que eram tiros, acelerei o carro até chegar ao centro de saúde distrital de Gorongosa. Tive três passageiros feridos que ficaram com balas no corpo e eu também sofri com um estilhaço na cabeça".
Nenhum destes ataques foi reportado pelas autoridades. Mas Mariano Nhongo, líder da auto-proclamada junta militar, apesar de não assumir claramente a autoria dos ataques, diz que as ações visam travar desmandos perpetrados pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS) na zonas rurais do país.
"O salário do pecado é a morte"
O descontente da RENAMO, maior partido da oposição, entende que as forças governamentais não podem circular armados pelas aldeias a ameaçar as populações em pleno período de desarmamento e reintegração de homens armados do seu partido.
"A junta militar não quer guerra. Passam por onde eles passam não estão a massacrar pessoas, eles só se defendem quando os militares do Governo vem atacar a junta militar", justifica Nhongo.
E o líder da junta militar questiona: "Esses militares abatidos em Pungué iam aonde, saiam donde, iam para onde? Os militares ficam no quartel. Mas eles a todo momento [estão em] coluna a busca de matar pessoas, então o salário de pecado é a morte".
"A FRELIMO, partido no poder, a todo momento andam "full" [interessados em matar os membros] da RENAMO. E eles defende-se, mesmo na vida civil se alguém te der um soco você não devolve?", questionou Nhongo, que há oito meses não é visto em público, depois de contestar a liderança da RENAMO.
Violência contra membros da RENAMO?
O dissidente da RENAMO denuncia ainda casos de espancamento, assassinato e perseguição de delegados e membros da RENAMO na província central de Tete. Isso teria acontecido porque alguns integrantes da junta militar terem sido vistos a passar por algumas aldeias de Zumbo e Maravia, numa missão de instalação de bases naquela região.
E ao mesmo tempo avança já haver fuga de cidadãos moçambicanos para a vizinha Zâmbia: "Antes de ontem foi amarrado o delegado da RENAMO, foi batido, foi cobrado dinheiro e deixaram. Alguns membros da RENAMO que não tem dinheiro já estão na Zâmbia, em Zumbo, Marávia e Chifunde. Muitos membros da RENAMO já estão na Zâmbia fugindo a matança."
Mariano Nhongo assume autoria de ataques em Sofala
"Os administradores de Marávia e Chifunde ainda continua a criar grupinhos que andam nas casas dos membros da RENAMO a amarrá-los e a obrigá-los a tirar o dinheiro. Se não o fazem são mortos", denuncia Nhongo.
Os apelos de Nhongo
E por isso o guerrilheiro lança um apelo: "A junta militar está a apelar ao administrador de Zumbo, ao chefe do posto de Zumbo, comandante distrital de Zumbo, comandante distrital de Marávia e comandante policial de Chifunde a abandonar estes atos. Não é bom."
"Amanhã quando a junta militar colocar uma base em Chifunde, colocar base em Domwé, colocar base em Marávia, a FRELIMO começa a gritar que a RENAMO está a atacar carros ou que o povo já não está a circular bem, quando são eles que estão a provocar a guerra. Até quando [isso vai acontecer?]", pergunta o dissidente.
Relatos desta segunda-feira (16.03) indicam que esta manhã dois camiões de mercadorias foram atacados na mesma região. Uma adolescente ficou ferida, mas já recebe cuidados intensivos no hospital provincial de Manica.
Zonas de guerra transformadas em locais de desenvolvimento
Regiões da província de Maputo testemunharam ataques e mortes durante a guerra civil em Moçambique. Antigos cenários de guerra tornam-se hoje palco para o desenvolvimento local do comércio e da indústria.
Foto: DW/R. da Silva
Um passado de mortes
A região onde fica a aldeia 3 de Fevereiro, a norte da província de Maputo, foi a mais dilacerada pela guerra civil. Na altura, a imprensa tinha como manchetes para as suas capas o sofrimento dos residentes desta região. Não há números exatos, mas houve muitas mortes na sequência de ataques atribuídos à Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o atual maior partido da oposição.
Foto: DW/R. da Silva
A escola mais atacada
Este estabelecimento de ensino, construído na época colonial, dedicava-se à formação de professores africanos. Durante a guerra civil, foram reportados ataques e os alunos muitas vezes deslocavam-se à vila da Manhiça. Hoje, a escola é a sede do Instituto Médio Politécnico Alvor.
Foto: DW/R. da Silva
Abrigo para os fugitivos
Esta varanda já tinha donos: os deslocados dos arredores da vila da Manhiça encontravam neste lugar o mais seguro apenas para passar a noite. A varanda foi atacada algumas vezes, o que os desesperou. Hoje, como se pode notar, no local há estabelecimentos comerciais.
Foto: DW/R. da Silva
Marcas da guerra
Há zonas, como Magude, cujos edifícios nunca mereceram reabilitações que possam fazer esquecer as marcas da guerra. Este edifício faz parte da missão católica de Magude, que foi atacado durante a guerra, e que nunca mais conheceu uma reabilitação.
Foto: DW/R. da Silva
Única entrada, única saída
Esta é uma ponte que desperta curiosidade aos que pela primeira vez visitam a vila de Magude. Pela mesma ponte passam peões, motociclistas, viaturas e locomotivas. Por baixo, passa o rio Inkomati, que não impedia ataques durante a guerra a esta pequena vila.
Foto: DW/R. da Silva
Repovoamento de animais
O distrito de Magude localiza-se mais a nordeste da província de Maputo. Esta zona foi severamente afetada pela guerra e a população bovina baixou drasticamente. Mas agora, com projetos de repovoamento destes animais, Magude é dos maiores produtores de carne na província.
Foto: DW/R. da Silva
Isolamento
O distrito de Magude é um dos mais isolados da província de Maputo. O seu desenvolvimento está a ser muito lento, apesar de a guerra ter terminado há mais de 20 anos. Falta muita coisa por melhorar. Esta loja, por exemplo, ainda apresenta marcas da guerra.
Foto: DW/R. da Silva
Coluna militar
A guerra abateu-se muito sobre Maluana. Este posto administrativo do distrito de Manhiça ficou conhecido pelos ataques que sofria. A coluna militar era a única que ajudava as pessoas a passar por esta zona. Pouco depois da guerra, as marcas eram ainda visíveis - como carcaças de viaturas queimadas. Agora, está a registar um desenvolvimento, com o comércio informal a ganhar força.
Foto: DW/R. da Silva
Centro de tecnologias
O Governo de Moçambique criou um centro de tecnologias nesta região severamente afetada pela guerra, o que antes era impensável. É um edifício que foi instalado no meio da mata, precisamente numa estrada de terra que dá acesso ao centro de formação de militares de Munguine, mais a leste da província de Maputo.
Foto: DW/R. da Silva
De cenário de guerra a pólo económico
A região de Bobole, no distrito de Marracuene, também foi uma zona de guerra. Aliás, as atrocidades começavam nesta região e o cenário era de "cada um por si e Deus por todos". As colunas militares começavam ou descansavam neste ponto. Hoje, a multinacional Heineken instalou aqui a sua empresa e Bobole está a ter novo rosto económico.
Foto: DW/R. da Silva
Estância turística
Esta é a entrada para a aldeia de Taninga. Tal como a 3 de Fevereiro, esta aldeia testemunhava frequentemente mortes e muitos dos residentes destas duas aldeias vizinhas acabaram por se refugiar na vila da Manhiça e outros na cidade de Maputo. Hoje, há uma estância turística que faz esquecer as marcas da guerra.
Foto: DW/R. da Silva
Proteção dos corredores ferroviários
Os que viveram os momentos de instabilidade e que precisavam frequentemente se deslocar contam que o comboio de passageiros era igualmente atacado. O corredor do Limpopo era crucial para o transporte de mercadorias para países vizinhos. A RENAMO e o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) acabaram por assinar um acordo para não atacar corredores ferroviários de todo o país.