Mineradora Gemfields vai pagar uma indemnização de 6,7 milhões de euros a quase 300 pessoas, que dizem ter sido vítimas de abusos de direitos humanos numa mina no norte de Moçambique. Mas nega responsabilidade.
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A Gemfields rejeita ser responsável pelos alegados abusos, mas reconhece que houve, "no passado, casos de violência" na zona da mina da Montepuez Ruby Mining (MRM), uma subsidiária da mineradora britânica.
Ao todo, foram apresentadas 273 queixas contra a empresa, no Reino Unido. Os queixosos dizem que eles, ou familiares, foram vítimas de abusos por parte de forças de segurança, contratadas pela empresa. Há denúncias de assassinatos, espancamentos, detenções ilegais e abusos sexuais.
É "invulgar" que se chegue a um acordo extrajudicial tão cedo, comenta Matthew Renshaw, do escritório de advocacia "Leigh Day", que representa os queixosos e negociou o acordo com a Gemfields. O processo na Justiça britânica começou em abril do ano passado.
Indemnização, fundo e painel independente
O acordo tem três partes. Primeiro, a Gemfields compromete-se a pagar uma indemnização de cerca de 6,7 milhões de euros, a ser repartida pelos queixosos. Mas a empresa salvaguarda que os advogados não podem apresentar novas queixas contra a Gemfields relativamente a casos anteriores ao acordo.
Em segundo lugar, a Gemfields diz que vai criar um fundo de desenvolvimento, de mais de meio milhão de euros, para ajudar a comunidade de Namucho-Ntoro, nos arredores da mina em Montepuez, província de Cabo Delgado. Por último, a mineira britânica promete criar um "mecanismo independente", que permita à população apresentar outras possíveis queixas de abusos na região.gemfields
Segundo o advogado Matthew Renshaw, este é um bom acordo, até porque "é bastante invulgar que uma empresa crie o que esperamos seja um processo completamente independente para reclamações."
Renshaw espera que isso dê a outras alegadas vítimas "uma oportunidade de apresentar os seus casos" a um painel independente.
Mineradora paga indemnização face a acusações de abusos
Parceiro "de confiança"
Mas porque é que a Gemfields aceitou pagar uma indemnização relativamente a alegados crimes pelos quais rejeita ser responsável?
A DW tentou ouvir um representante da mineradora britânica, mas a assessoria de imprensa remeteu-nos para um comunicado da empresa.
No documento, a Gemfields diz que, com este acordo extrajudicial, quer assegurar que a mineradora é considerada em Moçambique como um parceiro transparente e "de confiança", e não como um adversário.
Matthew Renshaw, do escritório de advocacia no Reino Unido que representa os queixosos, não comenta esta questão. Sublinha apenas que os seus clientes estão satisfeitos com o acordo.
"Do ponto de vista dos nossos clientes, a Gemfields fez a proposta, e os nossos clientes disseram que era uma oferta razoável e aceitaram", afirma Renshaw em entrevista à DW.
Entre junho de 2014 e junho de 2017, a Montepuez Ruby Mining, subsidiária da Gemfields, fez oito leilões de rubis, conseguindo uma receita de 280 milhões de dólares (mais de 245 milhões de euros), segundo dados da empresa.
As riquezas minerais de Nampula
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo.
Foto: DW/Petra Aschoff
Cadeia de riquezas minerais
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo. As areias pesadas da região são parte de uma cadeia de dunas que se estendem desde o Quénia até Richards Bay, na África do Sul. Em Moma, exploram-se os bancos de areia de Namalote e as dunas de Topuito.
Foto: Petra Aschoff
Areias para diferentes indústrias
Unidade de lavagem de areias pesadas da mineradora irlandesa Kenmare, um dos chamados "megaprojetos" estrangeiros em Moçambique. A ilmenite, o zircão e o rutilo, extraídos das areias, são usados, respetivamente, na indústria de pigmentos, cerâmica e na produção de titânio. O rutilo, um óxido de titânio, é fundamental para a produção do titânio usado para a construção de aviões.
Foto: Petra Aschoff
Lucro após prejuízo
Os produtos são transportados através de um tapete rolante até um pontão no Oceano Índico. Segundo media moçambicanos, a extração de areias pesadas na mina de Topuito, em Moma, resultou num lucro de 39 milhões de dólares no primeiro semestre de 2012. No mesmo período de 2011, a empresa registou prejuízo de 14 milhões por causa da baixa dos preços devido à crise económica mundial.
Foto: Petra Aschoff
Problemas trabalhistas?
O semanário moçambicano Savana repercutiu, em outubro de 2011, a decisão do ministério do Trabalho de suspender 51 trabalhadores estrangeiros em situação ilegal na Kenmare. Segundo o Savana, na mesma altura, a Inspeção Geral do Trabalho descobriu que 120 trabalhadores indianos estavam para ser recrutados pela Kenmare. O recrutamento foi cancelado.
Foto: Petra Aschoff
Mudança de aldeia
Para poder explorar as areias pesadas em Nampula, entre 2007 e 2010 a mineradora irlandesa Kenmare transferiu as moradias de centenas de pessoas na localidade de Moma, no norte do país. A empresa prometeu acesso à água, casas melhores e postos de saúde. Na foto, nova escola primária para a população local.
Foto: Petra Aschoff
Acesso à água
Em 2011, o novo bairro de Mutittikoma, em Moma, ainda não tinha um poço d'água. Esta é transportada até o vilarejo com um camião cisterna. O acesso à água também é garantido com uma tubulação que a Kenmare instalou ali. Porém, como a mangueira só deixa correr um fio d'água, as mulheres que vêm buscá-la esperam no sol durante horas a fio para encher baldes e recipientes.
Foto: Petra Aschoff
Responsabilidade social
Uma casa construída pela Kenmare para a população desalojada por causa da exploração das areias pesadas em Moma. No início de setembro, Luísa Diogo, antiga primeira-ministra de Moçambique, disse que o país deve estar "muito atento" para que os grandes projetos de recursos naturais – como carvão e gás – beneficiem as populações. Ela também defende renegociação de contratos multinacionais.
Foto: Petra Aschoff
Em busca do brilho
Para além das areias pesadas, o solo da parte sul da província moçambicana de Nampula oferece mais riquezas. Na foto: garimpeiros à procura da pedra preciosa turmalina em Mogovolas. Os garimpeiros recebem cerca de um euro por dia para cavar buracos com vários metros de profundidade. As pedras são vendidas a um comerciante intermediário.
Foto: Petra Aschoff
Verde raro
As pedras de turmalina costumam ter várias cores. Uma das mais conhecidas é a verde. Mas existe outro verde precioso que se torna cada vez mais raro em Mogovolas: o da vegetação. Os buracos cavados pelos garimpeiros podem não ter pedras, mas permanecem após a escavação e sofrem erosão. As plantas não são plantadas novamente, apesar de a recomposição da vegetação ser prevista pela lei.