Moçambique: Mineradoras suspensas por poluição dos rios
Bernardo Chicotimba
30 de novembro de 2020
Duas mineradoras que operavam em Manica, centro de Moçambique, foram suspensas por poluírem rios que servem de apoio à exploração agrícola e pecuária. Governadora sugere alterações da lei para travar danos ambientais.
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As mineradoras industriais Clean Tech Mining Company e Gems Resources Limitada foram suspensas de funções e multadas num valor superior a 100 salários mínimos, o equivalente a 900 mil meticais (cerca de 10 mil euros), por serem reincidentes na poluição de águas fluviais, através da deposição de poluentes no curso dos rios.
Segundo o inspetor-geral do Ministério dos Recursos Minerais, Obede Matine, os operadores industriais e os mineradores artesanais são conhecedores das técnicas apropriadas, mas não as usam.
"Nós recebemos uma denúncia em ambos os cantos da poluição do rio Revué e a partir da denúncia enviámos uma equipa dos Serviços Provinciais de Infraestruturas", começa por explicar Obede Matine. "De facto, a denúncia correspondia à verdade. Estavam a poluir os rios e não utilizavam as bacias de decantação das águas tal como deve ser", acrescenta. "Suspendemos e aplicámos multas em ambas as empresas", refere ainda.
Perigos para a agricultura e ambiente
Segundo dados do Conselho Empresarial de Manica, as más práticas associadas à mineração são danosas para a agricultura e o ambiente. Muitos investidores do ramo agrário são forçados a abandonar os seus investimentos devido aos efeitos negativos da mineração na agricultura, como a degradação e o empobrecimento dos solos, a poluição dos rios e o aumento da erosão terrestre.
Romão Gemo, representante da Companhia de Vanduzi, uma empresa que se dedica à produção e exportação de hortícolas para a Europa, alerta que a situação está a retrair o investimento no setor agrário.
"Organizar o setor mineiro é necessário, mas é um desafio enorme, pois tenho informações de que há indústrias agrícolas ou empresas agrícolas no Zimbabué que também foram fechadas devido ao uso de mercúrio por esta atividade ilegal", adverte.
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Mudanças na legislação
A governadora de Manica, Francisca Tomás, admite que a província possui riquezas aos níveis florestal, mineral e agrícola, mas frisa que é fundamental conjugar esforços para que a agricultura não saia prejudicada, uma vez que é base do desenvolvimento do país.
"Aqueles rios que nós aproveitamos para a produção agrícola já não são aproveitados, pois não servem para regar os campos agrícolas, nem para os animais beberem", alerta.
"É verdade que o setor mineiro é uma fonte de rendimento para a nossa economia, mas estou a concordar para que se mexa mais um pouco na legislação, para que possamos ser mais firmes na fiscalização daquilo que está a acontecer na nossa província e nas outras que também têm recursos minerais", sugere a governadora.
Moçambique: População lamenta fraco retorno da exploração mineira em Nampula
A Kenmare é uma das multinacionais que explora minérios no distrito de Larde, outrora Moma. Apesar da crise, a sua produção nunca parou. No entanto, a população queixa-se da falta de oportunidades e infraestruturas.
Foto: DW/S. Lutxeque
Mititicoma: um bairro de reassentamento
Com o início da sua atividade, a multinacional irlandesa Kenmare viu-se obrigada a reassentar milhares de famílias. Mititicoma é um dos populosos bairros de reassentamento, onde vivem mais de cinco dos cerca de 27 mil habitantes de toda a localidade de Topuito. Nos dias de hoje, cada casa destas pode custar dois milhões de meticais (cerca de 28 mil euros) mas, na altura, o preço foi inferior.
Foto: DW/S. Lutxeque
Negócios e melhoria de vida
Em Topuito, no distrito de Larde, emergem novas infraestruturas socioeconómicas. Muitos comerciantes que hoje vivem com pequenos "luxos", iniciaram a atividade com um pequeno financiamento da Kenmare que, na altura, não passava dos 200 mil meticais (cerca de 2900 euros) por cada pessoa.
Foto: DW/S. Lutxeque
À beira da falência
Amade Francisco, de 25 anos, é natural de Topuito, onde ainda vive. Encontrou no comércio uma forma de combater o desemprego. Mas, neste período de crise financeira do país, tem receio de ir à falência. "Iniciei o negócio em 2014, através de um empréstimo na Kenmare no valor de 120 mil meticais (cerca de 1745 euros). Já os reembolsei porque [antes] havia muita clientela, agora não".
Foto: DW/S. Lutxeque
Nativos excluídos
O desemprego está a afetar milhares de cidadãos de Topuito. As principais "vítimas", diz Saíde Ussene, são os jovens nativos e ele é um exemplo. Afirma que já tentou, mas sem sucesso, arranjar emprego na Kenmare, pois eles "preferem os cidadãos de Maputo aos nativos". "E nós onde vamos trabalhar se não temos dinheiro para subornar?", questiona o jovem moto-taxista.
Foto: DW/S. Lutxeque
Trocar a pesca pela agricultura
Ainda assim, continua a haver quem potencie o seu próprio emprego. Chiquinho Nampakhiriwa é um dos jovens que aguardava pela sorte de trabalhar na mineradora. Dedicava-se à pesca, mas decidiu trocar o anzol pela enxada e trabalhar na terra. Hoje fornece vegetais e legumes à Kenmare, apesar de ser em pouca quantidade. Também foi a empresa que o financiou incialmente.
Foto: DW/S. Lutxeque
Casamentos prematuros e pobreza
Fátima Ismael tem 17 anos e já é mãe. Vive no bairro de Nalokho, em Topuito e, devido à pobreza, viu-se forçada a ignorar os apelos do governo acerca dos casamentos prematuros. "Casei-me cedo porque não tinha condições [financeiras e materiais] de continuar a estudar. Mas estou feliz com o meu esposo", disse.
Foto: DW/S. Lutxeque
Falta de infraestruturas
Apesar da abundância de recursos minerais, Topuito continua, dez anos após o início da atividade deste tipo de empresas, com um rosto pacato e empobrecido. Existem muitos bairros, dentro da localidade, que têm falta de várias coisas, entre elas infraestruturas socioeconómicas. O bairro de Nalokho é exemplo disso.
Foto: DW/S. Lutxeque
Maus acessos
Entre as preocupações dos residentes do distrito de Larde está a degradação das vias de acesso e a falta da ponte sobre o rio Larde. As estradas que dão acesso à localidade de Topuito, como é visível na imagem, estão em más condições.
Foto: DW/S. Lutxeque
Kenmare minimiza problemas
Regina Macuacua é responsável da área social da Kenmare. Segundo esta responsável, a vida [da população] melhorou significativamente com a chegada da multinacional. "Hoje muitos residentes têm casas melhoradas, carros, há corrente elétrica. Continuamos a prover água e financiamos projetos", afirmou à DW, sem revelar os ganhos dos últimos dois anos.
Foto: DW/S. Lutxeque
Oscilação de preços no mercado
Sabe-se que a internacional irlandesa Kenmare, que explora e comercializa zircão, rutilo, ilmenite, entre outros produtos mineiros, conheceu alguns momentos de "pouca glória" com a oscilação dos preços no mercado internacional, desde 2009.