O apelo é extemporâneo e ineficaz, diz João Mosca. Para o economista, "as razões referidas são somente de natureza contabilística. A única coisa certa na sugestão do MP é que essas empresas devem fechar o quanto antes".
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O Ministério Público (MP) propôs a dissolução das três empresas envolvidas nas dívidas ilegais avaliadas em cerca de dois mil milhões de euros. Argumenta que a situação de liquidez das três empresas é inferior a metade do valor do capital social.
A proposta baseia-se na análise dos relatórios de contas das três empresas e já foi submetida ao Tribunal da Cidade de Maputo em abril. As petições fundamentam-se no facto das empresas terem suspendido as atividades por um período superior a três anos. Sobre a proposta, a DW África entrevistou o economista João Mosca.
DW África: Parece-lhe ajustada a proposta do MP?
João Mosca (JM): O Ministério Público (MP) faz só uma sugestão, não tem carácter vinculativo. Isso já aconteceu, a um nível mais elevado na hierarquia do Estado, quando o Governo não acedeu ao parecer do Conselho Constitucional, que não é um tribunal, em relação ao pagamento da dívida da EMATUM. Portanto, a sugestão do MP pode não ter qualquer medida governamental. A necessidade de extinção dessas empresas tem razões muito mais profundas que as indicadas pelo MP. Não sei se esse parecer faz parte de algum timing político em relação às dívidas ocultas e ilegais e a questões de escassez de recursos do Estado para suportar os prejuízos dessas empresas.
DW África: Haveria implicações com a dissolução das empresas envolvidas nas dívidas ocultas?
JM: Sem qualquer implicação. O hipotético encerramento é uma questão interna e as dívidas não o são. Os credores do investimento nada têm que ver com o encerramento ou não das empresas. Em qualquer caso, as dívidas da MAM e da ProIndicus não estão a ser pagas. Para os credores encerrar ou não não é problema deles. O Estado foi avalista e é ao Estado que os credores exigem os pagamentos
DW África: Entretanto, a situação é antiga... Não é extemporâneo um apelo nesse sentido?
JM: Não só é extemporâneo, como ineficaz. As razões referidas são somente de natureza contabilística. O assunto é muito mais complexo. A única coisa certa na sugestão do Ministério Público é que essas empresas devem fechar o quanto antes.
DW África: As autoridades moçambicanas anunciaram, em 2017, a entrada de investimentos do "tubarão" da segurança privada internacional Erik Prince na estrutura da Ematum e levantaram a possibilidade de alargamento para as outras duas empresas. A Ematum e a Frontier de Prince criaram a Tunamar. Sobre a prestação dessas novas sociedades quase nada se sabe. Como vê estas parcerias?
JM: Além da inviabilidade económica e financeira, há questões de natureza técnica, de mercado e de recursos humanos que não permitem, tal como o "negócio" está concebido, qualquer viabilidade dessas empresas. Não tem utilidade pública e são incapazes dos supostos objetivos de segurança. Tudo foi mal concebido, pior executado e sem soluções. Pode-se questionar sobre os reais interesses nos negócios dessas empresas, no momento das suas concepções.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)