Ministro Carlos Mesquita diz que "não tem nada a esconder"
Leonel Matias (Maputo)
24 de março de 2017
Alegado caso de violação da Lei de Probidade Pública pelo ministro moçambicano dos Transportes e Comunicações, Carlos Mesquita, está a alimentar uma grande polémica no país. Mesquita diz que "não tem nada a esconder".
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O caso está relacionado com o facto do ministro dos Transportes e Comunicações, Carlos Mesquita, ter assinado, na qualidade de titular da pasta, memorandos que concedem facilidades às suas próprias empresas, a Cornelder de Moçambique e Cornelder Quelimane.
Os referidos memorandos prevêm uma redução nas tarifas portuárias e na prestação de serviços de cabotagem, que variam entre 40 e 60%.
Ao deliberar esta semana sobre o caso, a Comissão Central de Ética Pública confirmou a existência de conflito de interesses e remeteu o processo ao Gabinete Central de Corrupção.
O ministro Carlos Mesquita já reagiu a esta decisão. Afirmou que a assinatura dos memorandos tinha sido pública e foi feita com toda a transparência necessária.Mesquita disse ainda que a concessão de facilidades nas tarifas portuárias e na prestação de serviços resultou de uma decisão do Governo que mandatou o seu Ministério para executar o trabalho.
24.03.2017 Caso Carlos Mesquita - MP3-Mono
Esclarecimento definitivo da situação
Ele refere que não tem "absolutamente nada a esconder quanto a esse assunto" e acrescentou que está aberto a prestar todo o apoio e colaboração para o esclarecimento definitivo da situação.
Para o maior partido da oposição, a RENAMO, teria sido lícito que Carlos Mesquita não tivesse aceite ocupar o cargo de ministro dos Transportes e Comunicações porque "é uma área em que ele tem interesses.”
O porta-voz da RENAMO, António Muchanga, disse a DW África que "o Governo tem um ministro do Pelouro que tem que assinar os acordos. Só tinha que ser ele. Entretanto, ele devia ter declarado a escusa, fazer ver o Governo que ele tem interesses naquela área, portanto não é a pessoa indicada para assinar o acordo".Muchanga admitiu por outro lado, que uma das consequências de tal decisão seria "se calhar poderia significar que o Presidente da República o exonerasse do lugar para indicar outra pessoa".
António Muchanga, defende ainda que as entidades legais, o Gabinete de Combate a Corrupção, têm que se pronunciar. "A própria Comissão de Ética tem que aconselhar o Governo a tomar uma atitude: ou ele efetivamente abandona a sociedade [na empresa Cornelder] para ficar ministro ou deixa aquele Ministério e passa para outro ou sai então do Governo."
"Ninguém está acima da lei"
Recorde-se que a Comissão Central de Ética tem ainda em mãos um outro caso de alegada violação da Lei de Probidade Pública envolvendo o ministro dos Transportes e Comunicações, Carlos Mesquita.
Este outro processo, que não está encerrado, tem a ver com a contratação de uma empresa de transportes da família de Carlos Mesquita, por ajuste direto, para a prestação de serviços de carga ao Instituto de Gestão de Calamidades (INGC), violando mais uma vez, ao que tudo indica, a Lei da Probidade Pública. A alinea a) do artigo 25 desta lei diz que o servidor público está proibido de usar o poder oficial para conferir privilégios para si próprio, seus familiares ou amigos.Questionado recentemente sobre o assunto, o Primeiro Ministro, Carlos Agostinho do Rosário escusou-se a fazer qualquer comentário.
Agostinho do Rosário remeteu o caso às instâncias competentes, nomeadamente a Comissão de Ética e a Procuradoria-Geral da República, mas afirmou que "ninguém está acima da lei".
A DW África ouviu igualmente o analista Tomás Vieira Mário. Ele considera positivo que o ministro tenha reagido de forma serena ao veredito da Comissão Central de Ética, mas acrescenta "não me parece que o senhor ministro possa ficar, digamos assim, ilibado de responsabilidade invocando que cumpriu apenas uma ordem do Governo. As ordens do Governo devem ser certificadas de que são legais. Tal como ordens de qualquer outra entidade, deve-se verificar a sua legalidade antes do seu cumprimento."
As riquezas minerais de Nampula
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo.
Foto: DW/Petra Aschoff
Cadeia de riquezas minerais
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo. As areias pesadas da região são parte de uma cadeia de dunas que se estendem desde o Quénia até Richards Bay, na África do Sul. Em Moma, exploram-se os bancos de areia de Namalote e as dunas de Topuito.
Foto: Petra Aschoff
Areias para diferentes indústrias
Unidade de lavagem de areias pesadas da mineradora irlandesa Kenmare, um dos chamados "megaprojetos" estrangeiros em Moçambique. A ilmenite, o zircão e o rutilo, extraídos das areias, são usados, respetivamente, na indústria de pigmentos, cerâmica e na produção de titânio. O rutilo, um óxido de titânio, é fundamental para a produção do titânio usado para a construção de aviões.
Foto: Petra Aschoff
Lucro após prejuízo
Os produtos são transportados através de um tapete rolante até um pontão no Oceano Índico. Segundo media moçambicanos, a extração de areias pesadas na mina de Topuito, em Moma, resultou num lucro de 39 milhões de dólares no primeiro semestre de 2012. No mesmo período de 2011, a empresa registou prejuízo de 14 milhões por causa da baixa dos preços devido à crise económica mundial.
Foto: Petra Aschoff
Problemas trabalhistas?
O semanário moçambicano Savana repercutiu, em outubro de 2011, a decisão do ministério do Trabalho de suspender 51 trabalhadores estrangeiros em situação ilegal na Kenmare. Segundo o Savana, na mesma altura, a Inspeção Geral do Trabalho descobriu que 120 trabalhadores indianos estavam para ser recrutados pela Kenmare. O recrutamento foi cancelado.
Foto: Petra Aschoff
Mudança de aldeia
Para poder explorar as areias pesadas em Nampula, entre 2007 e 2010 a mineradora irlandesa Kenmare transferiu as moradias de centenas de pessoas na localidade de Moma, no norte do país. A empresa prometeu acesso à água, casas melhores e postos de saúde. Na foto, nova escola primária para a população local.
Foto: Petra Aschoff
Acesso à água
Em 2011, o novo bairro de Mutittikoma, em Moma, ainda não tinha um poço d'água. Esta é transportada até o vilarejo com um camião cisterna. O acesso à água também é garantido com uma tubulação que a Kenmare instalou ali. Porém, como a mangueira só deixa correr um fio d'água, as mulheres que vêm buscá-la esperam no sol durante horas a fio para encher baldes e recipientes.
Foto: Petra Aschoff
Responsabilidade social
Uma casa construída pela Kenmare para a população desalojada por causa da exploração das areias pesadas em Moma. No início de setembro, Luísa Diogo, antiga primeira-ministra de Moçambique, disse que o país deve estar "muito atento" para que os grandes projetos de recursos naturais – como carvão e gás – beneficiem as populações. Ela também defende renegociação de contratos multinacionais.
Foto: Petra Aschoff
Em busca do brilho
Para além das areias pesadas, o solo da parte sul da província moçambicana de Nampula oferece mais riquezas. Na foto: garimpeiros à procura da pedra preciosa turmalina em Mogovolas. Os garimpeiros recebem cerca de um euro por dia para cavar buracos com vários metros de profundidade. As pedras são vendidas a um comerciante intermediário.
Foto: Petra Aschoff
Verde raro
As pedras de turmalina costumam ter várias cores. Uma das mais conhecidas é a verde. Mas existe outro verde precioso que se torna cada vez mais raro em Mogovolas: o da vegetação. Os buracos cavados pelos garimpeiros podem não ter pedras, mas permanecem após a escavação e sofrem erosão. As plantas não são plantadas novamente, apesar de a recomposição da vegetação ser prevista pela lei.