Moçambique: Missão do FMI em silêncio sobre dívidas ocultas
Leonel Matias (Maputo)
10 de fevereiro de 2020
De visita a Maputo, o diretor-geral adjunto do Fundo Monetário Internacional não fez qualquer referência a uma eventual retoma da ajuda direta a Moçambique. Mas apelou ao Governo para continuar as reformas estruturais.
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A visita a Maputo do diretor-geral adjunto do Fundo Monetário Internacional (FMI), Tao Zang, tem como objetivo passar em revista o relacionamento atual e futuro de Moçambique com a instituição financeira internacional. Esta é a primeira deslocação de uma missão do FMI a Moçambique desde a tomada de posse de Filipe Nyusi, a 15 de janeiro último, para um segundo mandado como chefe de Estado e a entrada em funções do novo Governo.
O diretor-geral adjunto do FMI manteve esta segunda-feira (10.02) encontros com o ministro das Finanças, Adriano Maleiane, e com o governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela. "Tivemos boas discussões cobrindo vários assuntos e constatamos particularmente que o desempenho económico corre bem e o país está a recuperar bem do impacto devastador dos ciclones tropicais Idai e Kenneth do ano passado", afirmou Tao Zang numa declaração à imprensa, sem direito a perguntas.
Moçambique: Missão do FMI em silêncio sobre dívidas ocultas
Segundo o responsável do FMI, a recuperação de Moçambique "resulta de boas políticas e de reformas levadas a cabo nos últimos anos e esperamos que essas reformas e políticas continuem nos próximos três anos particularmente nas áreas da estabilidade macroeconómica e de reformas estruturais, incluindo reformas no domínio da boa governação."
Tao Zang disse também estar "confiante de que com a nova liderança de Filipe Nyusi e do seu Governo serão continuadas essas políticas e reformas".
FMI em silêncio sobre dívidas ocultas
O diretor-adjunto do FMI não fez qualquer referência a uma eventual retoma ou não da ajuda direta do FMI a Moçambique. A instituição financeira suspendeu esta ajuda na sequência da descoberta das chamadas dívidas ocultas, contraídas por três empresas, num valor equivalente a dois mil milhões de euros, sem o aval do Parlamento e sem o conhecimento dos parceiros internacionais.
Uma missão do FMI que visitou o país em novembro último admitiu que a instituição estava aberta para conversar com o Governo sobre um possível programa de apoio financeiro. o FMI está "aberto a esse pedido e a ter essas conversas", disse na altura o chefe da missão, Ricardo Velloso.
Esta segunda-feira (10.02), o diretor-geral adjunto do FMI indicou que "o Fundo Monetário Internacional compromete-se a trabalhar com o Governo e a população e deseja tudo de bom para que o país alcance os seus objetivos."
Recentemente, o embaixador da União Europeia (UE) em Maputo, António Sánchez-Benedito Gaspar, anunciou igualmente que a organização poderá avaliar a partir de 2021 a retoma do apoio direto ao Orçamento do Estado moçambicano nos anos seguintes.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)