Moradores em protesto paralisam mina da Vale em Moatize
Amós Fernando (Tete)
17 de outubro de 2018
Mina de carvão não trabalha há mais de dez dias, depois de ter sido invadida por moradores do bairro Bagamoio, arredores da vila de Moatize. População protesta contra os altos níveis de poluição e pede reassentamento.
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No dia 4 de outubro, após várias tentativas fracassadas de negociação com a mineradora Vale, um grupo de residentes de Nhanchere, no Bairro Bagamoio, invadiu a mina Moatize II, obrigando a empresa a paralisar as suas atividades.
"Estamos cansados. Dia após dia temos que gerir poeiras nas nossas casas e já reclamámos várias vezes e não somos ouvidos", diz António Sinalo, um dos manifestantes.
Os moradores de Nanchere afirmam que as actividades da mineradora só poderão ser retomadas depois do reassentamento das famílias que vivem nas proximidades da mina.
"Depois de nos ter reassentado podem voltar a funcionar, queremos mandar parar para sempre, se eles negam nos reassentar, nós vamos prometer queimar as máquinas", garante Sinalo.
Autoridades "comem com a Vale"
Maxwell Abreu também mora em Nhanchere. Além da Vale, aponta o dedo ao Governo, que acusa de passividade. "A Vale faz e desfaz aqui no distrito de Moatize", afirma. "Quando vamos à empresa ela diz para irmos ao Governo e o Governo nada faz, nunca agiu. Está bem claro que os representantes do governo do distrito comem com a Vale".
Maxwell Abreu queixa-se da poeira provocada pelos trabalhos na mina: "Está próxima das casas e a matar-nos", sublinha.
Mas, além da poluição ambiental, os moradores queixam-se da poluição sonora e fissuras provocadas nas residências na sequência do estremecer da terra devido aos explosivos usados pela Vale.
"A minha casa está se separando, quem vai pagar por aquilo?", pergunta António Sinalo.
Organizações da sociedade civil apoiam protesto
A Coligação Cívica sobre a Indústria Extractiva, uma plataforma de organizações da sociedade civil de advocacia e monitoria deste sector económico, declarou o seu apoio à comunidade de Moatize.
Em conferência de imprensa, esta quarta-feira (17.10), a porta-voz do grupo, Fátima Mimbire, afirmou que o protesto dos moradores é legítimo "por ser consequência directa da inércia das autoridades e das responsabilidades corporativas da empresa".
Moradores em protesto paralisam mina da Vale em Moatize
"Estamos solidários com as comunidades e recomendamos que as instituições competentes ajam em relação a esse caso e que sejam mais interventivas no controlo e monitoria das actividades mineiras", diz Fátima Mimbire.
A direcção da mineradora reconhece as reivindicações dos moradores. Numa entrevista à STV, canal de televisão privado moçambicano, uma representante da empresa admitiu que a Vale conhece o problema: "Infelizmente, desde o início da nossa operação, sabíamos que a questão da poeira seria desafiadora".
Desde a abertura da mina a céu aberto, em 2016, já foram reportados vários incidentes. Num dos casos, a mineradora vedou áreas que anteriormente eram usadas pela população para pastagem de gado e busca de lenha.
No ano passado, os moradores de Nhanchere saíram à rua exigindo a remoção da vedação, uma acção que foi repelida pela Polícia da República de Moçambique que acabou atingindo mortalmente um jovem.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.