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Moçambique: Morte de Dhlakama significa o fim da RENAMO?

5 de maio de 2020

Não, mas desencadeou uma descaracterização do maior partido da oposição moçambicana, entende o analista Alexandre Chivale, que aponta: pode haver uma instrumentalização da RENAMO nestas condições.

Foto: picture alliance/dpa/A. Silva

Passam dois anos desde a morte de Afonso Dhlakama, o líder do maior partido da oposição em Moçambique, que morreu a 3 de maio. Desde então a RENAMO tem se metamorfoseado num sentido que desagrada alguns correligionários e levanta questionamentos por parte da sociedade, como por exemplo sobre os acordos de paz de agosto de 2019.

Conversamos com o analista e jurista Alexandre Chivale sobre a RENAMO sem "o pai da democracia".

DW África: Desde que Afonso Dhlakama morreu que a RENAMO mostra também estar a perder os seus sinais vitais. Isso evidencia algum problema estrutural neste partido?

Alexandre Chivale (AC): Efetivamente desde que Afonso Dhlakama morreu que vemos uma verdadeira descaracterização da RENAMO. Vai daí que havia quem dizia que a RENAMO confundia-se com Afonso Dhlakama e Afonso Dhlakama confundia-se com a própria RENAMO. Isto evidencia efetivamente que a RENAMO sempre foi uma organização à imagem do seu líder, era efetivamente o coração da RENAMO, era uma espécie de Luis XIV; queria, podia e mandava. Não havia ao nível da liderança intermédia da RENAMO quem lhe pudesse fazer frente, portanto, tudo o que Dhlakama dissesse era visto como norma ao nível da RENAMO, daí que o desaparecer, e porque não há dois Dhlakamas, efetivamente temos a RENAMO numa verdadeira descaraterização, a RENAMO de Dhlakama não é esta RENAMO que vemos nos dias de hoje.

Ossufo Momade, líder da RENAMOFoto: Getty Images/A. Barbier

DW África: Dhlakama tinha os seus ideais, que segundo os membros da RENAMO não estariam hoje a ser observados, o que está a causar uma forte contestação interna. Acha que o resgate desses ideais seria uma das formas de ressuscitar o partido e manter satisfeitos os seus correligionários?

AC: A resposta a isso seria uma espécie de ressuscitar Afonso Dhlakama. Desaparecendo Afonso Dhlakama é muito complicado achar que podemos ressuscitar os seus ideias, significaria ressuscitar o próprio Dhlakama. Agora, é verdade que no seio da RENAMO havia pessoas que tinham certos privilégios que eram dados por Afonso Dhlakama diretamente sem oposição de quem quer que fosse e que hoje perderam estes privilégios. Obviamente que estes não se sentem atualmente satisfeitos com o curso das coisas. Agora, não deixa de ser verdade que, por exemplo, Ossufo Momade é tudo, menos alguém que pode personificar a RENAMO de Afonso Dhlakama.

A partir da forma como é feita a oposição política na RENAMO algumas práticas que Momade segue hoje são claramente as que Dhlakama não estava em condições de seguir. Vou dar dois exemplos que foram surpreendentes pela positiva: a solução do seu lugar no Conselho de Estado e também a admissão das mordomias principescas que são reservadas ao segundo candidato mais votado [nas eleições], pese embora relativamente a este aspeto há aí uma verdadeira dissonância, quando a própria RENAMO posiciona-se como sendo o defensor das causas do povo, e numa situação em que estamos de privações severas, a aparecer a RENAMO a aceitar esse conjunto de benesses quando temos uma série de médicos, professores e outros profissionais do aparelho de Estado em situações complicadas e ver Ossufo Momade a aceitar estes privilégios que são dados pelo Estado, não deixa de ser algo contraditório.

Em todo o caso, é uma forma diferente de Ossufo Momade se posicionar relativamente a Dhlakama. Significa que a partir daí que temos também uma RENAMO diferente. Amanhã se houver outro líder, certamente, pela forma como este partido foi estruturado ideologicamente, nos leva a crer que efetivamente ele é comandado com base nas visões das pessoas. Portanto, até ver, Momade está a fazer o mesmo que Dhlakama fazia do ponto de vista de gestão do partido, agora tem formas diferentes de ser e por isso é que temos RENAMOS absolutamente diferentes.

Moçambique: Um ano após a morte de Afonso Dhlakama

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DW África: A aparente crescente fragilidade da RENAMO está a ser instrumentalizada pelos seus opositores para o extinguir?

AC: Não acredito que haja opositores da RENAMO que queiram que ela desapareça. Nós sabemos que para o partido FRELIMO ter a RENAMO é sempre uma vantagem, justamente porque é uma RENAMO que mesmo nos tempos de Afonso Dhlakama conseguiu ser manietada, pelo menos do ponto de vista do jogo político pela FRELIMO, embora a RENAMO sempre aparecesse em posição de alguma vantagem quando procedia ao recurso às armas, essa era a linguagem que ela melhor entendia, pelo menos até ao período de Afonso Dhlakama. Agora, o que pode estar a acontecer é que esta fragilidade da RENAMO pode ser usada, sim, para continuar a mantê-la dormente como a temos hoje, isso sim. Agora extinguir, como tal, não me parece que seja esta pretensão e nem me parece que seja a decisão correta em nome da democracia que se defende. Portanto, eu não acredito que haja forças opositoras da RENAMO que possam querer que ela se extinga, agora, que ela continua dormente e mais dormente ainda. Isso sim, posso sufragar esse tipo de tese.

DW África: Na sua opinião, o que precisaria a RENAMO para voltar a ser uma oposição consequente e com mais credibilidade?

AC: Não acredito que a RENAMO alguma vez foi uma oposição com credibilidade e consequente, o que a RENAMO sempre soube fazer foi usar a força das armas para poder fazer valer as suas pretensões. Agora, se quisermos dizer o que precisamos fazer para que a RENAMO seja uma oposição credível e consequente, aí a própria RENAMO precisa de se libertar dos seus fantasmas, nomeadamente do fantasma do tribalismo. Paira a ideia segundo a qual a RENAMO é um partido Ndau, sendo que qualquer outra tribo que assumir os píncaros do poder na RENAMO é sempre combatida, como aliás se tem estado a observar hoje com a liderança de um Macua que é o Ossufo Momade.

Outro aspeto, parece que a RENAMO não seja simplesmente um partido que pensa em fazer oposição, a RENAMO não pode ser um partido reativo, tem de ser um partido que discute dossiers, um partido que olha para as prioridades nacionais e ao pode aparecer com esta retórica de que os outros são corruptos, comunistas, etc. Esta é uma retórica de guerra que jovens do atual século ja não consomem. É necessário que a RENAMO estude o dossier e a visão estratégica de num país todo e possa aparecer-nos com soluções. A RENAMO não se pode posicionar como um partido que às vezes aparece a dizer que tudo está errado, mas sem dizer o que ela poderia fazer. A RENAMO tem de começar a pensar em ser oposição para ser um partido credível e consequente. E a RENAMO tem de chegar a pregar aquilo que prega.

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