Moçambique: Mutumbela Gogo leva corrupção ao palco
Leonel Matias (Maputo)
23 de julho de 2017
“Os Pilares da Sociedade” é o mais recente trabalho deste que é um dos mais prestigiados grupos de teatro do país.
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O Cine-Teatro Avenida, no coração da cidade de Maputo, foi pequeno para acolher este fim-de-semana a estreia de "Os Pilares da Sociedade". A peça, encenada por um dos emblemáticos grupos de teatro moçambicanos, a companhia Mutumbela Gogo, aborda a problemática da corrupção, um fenómeno que atinge seriamente Moçambique.
A obra foi escrita em 1877 por Henrik Ibsen, um clássico dramaturgo norueguês, considerado um dos criadores do teatro realista moderno. Para o grupo Mutumbela Gogo, apesar de ter sido escrita há mais de 150 anos, a obra mantém-se atual,”tendo em conta que Moçambique está mergulhado num cenário bem explícito de corrupção, o que mostra que o mundo vive os mesmos problemas”.
Moçambique ocupa a posição 144 de um total de 177 avaliados no ranking da Transparência Internacional sobre corrupção relativo a 2016. O país desceu 32 lugares naquela que foi a sua maior queda no ranking.
Reflectir e combater
"Os Pilares da Sociedade" tem encenação de Jorge Vaz. "Retrata vários temas que são bem actuais. Estamos a falar da corrupção, da crise financeira mundial e não só, esses negócios obscuros a que temos assistido, sobretudo aqui, na nossa sociedade, essas negociatas nas várias entidades", explica o encenador. "Trazemos à luz estas questões todas para chamar a atenção de toda a população. Temos que reflectir sobre isso".
23.07 Mutumbela Gogo apresenta 'Os Pilares da Sociedade' - MP3-Mono
Com esta peça, a companhia Mutumbela Gogo pretende "incitar, de forma pacífica, para uma revolta, mas sobretudo para que cada cidadão, no seu posto, lute contra este mal [a corrupção]".
Yolanda Fumo, há 25 anos ligada ao teatro, integra o elenco de "Os Pilares da Sociedade". Considera "que é gratificante representar os problemas da corrupção nesta peça".
"É mostrar às pessoas, sem apontar o dedo a ninguém, que temos este mal que está a perseguir-nos até hoje e que pode ser prejudicial para cada um de nós e para a sociedade no geral", afirma.
Fortes aplausos
A estreia da peça foi marcada por três sessões bastante concorridas. O público aplaudiu a iniciativa, afirmando que a peça é muito interessante, educativa e didáctica.
"É uma peça que, de facto, vem retratar o contexto actual da nossa sociedade. De certa forma, vem dar um puxão de orelhas. Convidam-nos a reflectir sobre a nossa situação, sobre as nossas políticas, sobre o tipo de pessoas que estão na liderança", considera Hélio Pelembe, que assistiu à estreia da peça.
Esselina Elias Monjane, outra espectadora, fala numa peça "construtiva e positiva": "Deu para aprender alguma coisa sobre a sociedade".
Já Bert considera que a mais recente peça Mutumbela Gogo "é bem concebida, com diálogos bonitos e concisos”. Saiu da sala de teatro com uma mensagem interiorizada: "A liberdade e a verdade são os pilares da sociedade”.
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.