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Moçambique: "Não há como parar a marcha pela liberdade"

24 de março de 2023

Politólogo diz que a FRELIMO está reunida até sábado sobretudo com um propósito: debater como vai reagir às críticas crescentes ao partido. Em ano de eleições, a insatisfação cresce. A oposição terá respostas à altura?

Foto: Da Silva Romeu/DW

O Comité Central da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder) está reunido na Matola para analisar a situação política, económica e social do país, além de debater o próximo ciclo eleitoral, que arranca com as eleições autárquicas de 11 de outubro.

A sessão arrancou esta sexta-feira (24.03) e termina no sábado. O secretário-geral da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação de Moçambique (ACLIN), Fernando Faustino, disse no seu discurso de abertura que as marchas promovidas no dia 18 em homenagem ao rapper Azagaia resultaram de uma "manipulação de jovens" por partidos "camuflados em sociedade civil" para colocar em causa as instituições do Estado.

Os autores das marchas, prosseguiu Faustino, pretendiam "desestabilizar o país e transmitir a sensação de ingovernabilidade, aproveitando o sofrimento das populações".

O cientista político moçambicano Fidel Terenciano entende que a FRELIMO tem razões para estar preocupada com as convulsões sociais que o país vive. Em entrevista à DW África, o analista sublinha que "o medo que existia no passado muito recente" de ir para a rua e denunciar as injustiças no país está agora a ser "colocado em causa".

"A marcha pela liberdade política é irreversível", conclui Terenciano.

Entrevista com o politólogo moçambicano Fidel Terenciano

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DW África: Que leitura faz da convocação desta sessão do Comité Central da FRELIMO? 

Fidel Terenciano (FT): Na essência, esta é uma sessão extraordinária, mas como o assunto não pode aparecer em público nesses termos, chama-se comité ordinário essencialmente para responder às grandes questões dos últimos dois meses no país. Não há tanto uma preocupação em mitigar os problemas candentes do desenvolvimento do país, como por exemplo os ciclones. É essencialmente uma sessão para discutir a vida política, não do partido, mas de Moçambique.

Há uma tendência crescente e visível de jovens, adultos, velhos, mulheres, a demonstrar o seu desgaste total em relação à governação. E os pensadores do partido FRELIMO assumem que, se há uma perceção geral do desgaste da governação central do partido, as eleições municipais deste ano devem ser repensadas profundamente.

Os pensadores da FRELIMO já têm consciência de que, este ano, os jovens vão votar e ficar nos arredores das assembleias de voto, diferentemente do passado recente em que, após exercer o seu direito cívico, iam para a praia ou passear. A história política e eleitoral de Moçambique mostra-nos que a oposição venceu as eleições nos distritos municipais em que ficou em redor das assembleias de voto.

Sendo assim, a FRELIMO vai encontrar-se neste Comité Central para pensar a melhor maneira de, em primeiro lugar, "mutilar" as regiões onde há forte tendência para uma vitória eleitoral da oposição e, em segundo lugar, repensar as estratégias de como controlar a participação política eleitoral.

Sessão ordinária do Comité Central da FRELIMO arrancou com os discursos centrados em acusações de "manipulação dos jovens" para provocar o caos no paísFoto: Marco Longari/AFP/Getty Images

DW África: A situação política atual está, então, a forçar a FRELIMO a repensar o seu modus operandi?

FT: Tem que ver essencialmente com a preocupação de rejeição pública. Vivemos em Moçambique e, desde a independência até aos dias de hoje, nunca tínhamos visto jovens a darem a cara e a queimarem um cartão da FRELIMO. Nunca tínhamos visto jovens a queimar a camiseta da FRELIMO. O medo que existia no passado muito recente, a identificação partidária que muitos de nós aceitámos por via dos nossos pais, está a ser colocado em causa.

Não estamos a colocar em causa o envelhecimento per si do partido FRELIMO, mas a maneira como atua e, sobretudo, o espaço de liberdade, de pensar, de agir, de falar, que direta e indiretamente tem influenciado o pensamento da juventude. Já não há como parar a marcha pela liberdade. A marcha pela liberdade política é irreversível. E hoje os jovens estão de forma clara a declarar que, se não conseguirem nessas eleições municipais, se não conseguirem nas eleições gerais no próximo ano, nos próximos pleitos eleitorais vão retirar a FRELIMO do poder.

DW África: E como é que a oposição pode capitalizar este momento, em que a juventude procura por um "guia" para remover a FRELIMO do poder, como refere?

FT: A oposição tem duas possibilidades nesse momento: Identificar os membros da sociedade civil que têm dado a cara e colocá-los em alguma posição política dentro dos partidos, ou trabalhar com três possíveis nomes que, nesse momento, são aceites, pelo menos pela camada juvenil - o político Manuel de Araújo, o engenheiro Venâncio Mondlane ou o ativista Adriano Nuvunga. Neste momento, essas três pessoas constituem a esperança dos jovens no contexto moçambicano. Se não colocarmos nenhuma dessas pessoas na liderança real da oposição, estamos a correr o risco de destituir as atuais estruturas políticas sem saber quem são as pessoas que depois nos poderão guiar.

"Em quem [os jovens] vão votar nesse momento não sabem, mas sabem que não vão votar na FRELIMO", salienta analistaFoto: Jovenaldo Ngovene/DW

DW África: E como olha para a ideia de uma possível coligação da oposição

FT: Neste momento, não temos uma liderança que consiga aglutinar. [Lutero] Simango é o presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), mas nem dentro do partido consegue granjear um conjunto de massas e aceitabilidade. O próprio Ossufo [Momade, o líder da RENAMO,] tem mais ou menos essa aceitabilidade interna, mas não tem aceitabilidade externa. Nem membros da sociedade civil, nem membros de outros partidos o veem como um líder que possa enfrentar a FRELIMO. Provavelmente, Venâncio Mondlane [deputado da RENAMO] ou Manuel de Araújo poderão ser a alavanca real para que, em conjunto, se caminhe no sentido de tentar capturar o poder para a oposição. Mas sem isso e sem lideranças que sejam aceites, será apenas uma aliança partidária entre lideranças, em detrimento de alianças partidárias entre os membros dos partidos políticos.

Há um anúncio de mobilização. Há discursos na Internet a pedir aos mais velhos que fiquem em casa no dia das eleições, que os jovens vão resolver a situação, votando contra a FRELIMO. Em quem vão votar, nesse momento eles não sabem, mas sabem que não vão votar na FRELIMO.

DW África: Esta posição cria um certo medo à FRELIMO, espelhado nos discursos de ataque, por exemplo nas redes sociais, contra pessoas que pensam diferente?

FT: Sim, o problema é que a FRELIMO já está há quase 60 anos a liderar o país e, nesses 60 anos, quase 40 foram num modelo em que controlavam quem fala, o que fala e por que fala. E hoje temos a comunicação social e as redes sociais a desempenharem um papel muito forte. 

Aliás, nas redes sociais existe o chamado "cancelamento". Se olharmos para a história de alguns artistas no contexto moçambicano, e se tentarmos avaliar o número de pessoas que [cancelaram a subscrição das páginas de] alguns artistas e pessoas sonantes no espaço público. Então, é preciso olhar não só para os jovens, mas também para os média e para as redes sociais, que vão ter um papel muito importante na determinação das eleições deste ano e do próximo ano.

Uma aliança da oposição contra a FRELIMO em Moçambique?

10:54

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