Negligência na origem do aumento da violação de crianças
Leonel Matias (Maputo)
28 de novembro de 2018
Moçambique registou em 2018 um aumento de casos de violência contra a criança. É urgente reforçar a proteção dos menores, consideram participantes de um encontro que teve lugar esta quarta-feira (28.11.) em Maputo.
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A Polícia registou de janeiro a setembro de 2018 mais de 7.600 casos de violência contra a criança, incluindo violência doméstica e sexual e casamentos prematuros.
Segundo a chefe do Departamento de Atendimento a Família e Menores Vítimas de Violência, os casos de violência sexual aumentaram em 10% comparativamente a igual período do ano passado.
Lurdes Mabunda aponta como uma das causas da violência sexual contra a criança a negligência por parte dos pais, nomeadamente a falta de cuidados, de proteção, de diálogo e acima de tudo o excesso de confiança em relação ao próximo.
"Muitos dos casos que nós registamos este ano 1.203 casos, mais de 80% os protagonistas foram os parentes da criança e também pessoas que vivem muito próximo a criança como amigos da família, professores, empregados domésticos e os vizinhos acima de tudo”, revela Lurdes Mabunda.
Há melhorias, mas...
Negligência na origem do aumento da violação de crianças
Para o diretor-geral da ONG Save The Children International em Moçambique, Chance Briggs, a situação de violência sexual contra a criança no país constitui "um cancro".
"Oito por cento das raparigas no país têm experiência de ser abusada sexualmente”, diz Chance Briggs.
O diretor-geral da Save The Children International em Moçambique afirma que a situação da criança no país está a registar melhorias, mas acrescenta que há ainda um longo caminho a percorrer.
"Oitenta e nove por cento das crianças em idade escolar vão a escola, mas depois de cinco anos só ficam 34% das crianças, em termos de saúde em cada 1000 crianças 78 não chegam até ao quinto ano morrem de causas normalmente preventivas”, avança Briggs.
A pobreza foi apontada como um dos fatores que estão na origem desta situação, mas o bastonário da Ordem dos Advogados, Flávio Menete, apontou que é necessário ter coragem de ao analisar o binómio modernidade e tradição "Identificamos algumas práticas das nossas tradições que põem em risco os interesses da criança e encontrarmos uma forma de agir no sentido de corrigir.”
Maior divulgação das leis
Por seu turno, o presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, Luís Bitone, defende o aperfeiçoamento e desenvolvimento do mecanismo processual de realização dos direitos da criança.
"Há que apostar na divulgação das leis para que os destinatários tirem mais proveito delas” referiu Luís Bitone, observando ainda o seguinte: "No nosso sistema ainda vigoram leis contraditórias que urge harmonizar. Também é um desafio a consolidação institucional. Não bastam boas leis sem instituições fortes e atuantes que garantam a sua monitoria e implementação.”
Maputo acolhe desde esta terça-feira (27.11.) um encontro de três dias promovido pela Comissão Nacional dos Direitos Humanos com o objetivo de avaliar a aplicação das leis moçambicanas de proteção da criança e até que ponto a legislação defende os seus interesses.
O encontro conta, para além de Moçambique, com a participação de peritos do Zimbabué, Malawi e do reino Eswatine.
Centro Aberto ajuda órfãos a desenvolver competências laborais
Em Manica, centro de Moçambique, crianças e jovens órfãos podem aprender várias competências laborais num centro aberto para jovens e idosos. É uma forma de tirar os jovens das ruas e de lhes dar perspetivas de emprego.
Foto: DW/B. Jequete
Aprender para o futuro
Pita Tobias tem 17 anos. É órfão de pai e mãe e aprende carpintaria num centro para jovens. À DW África conta: "Estou a aprender carpintaria desde o início de 2015. Faço biscates, a concertar portas, janelas, cadeiras, fechaduras de portas, com os quais tenho ganhado dinheiro, para ajudar a minha avó em casa". O seu sonho é concluir, pelo menos, o nível médio de ensino e procurar emprego digno.
Foto: DW/B. Jequete
Novas oportunidades para jovens
Em Manica, o Governo moçambicano, através do Instituto Nacional de Ação Social (INAS), construiu um Centro Aberto para o Atendimento de Crianças Órfãs e Pessoas Idosas. O centro oferece cursos profissionalizantes para promover o auto-emprego e, consequentemente, tirar os mais jovens da rua e reduzir a mendicidade e criminalidade. Carpintaria, costura e agricultura são algumas das áreas ensinadas.
Foto: DW/B. Jequete
Futuros empreendedores
Este alpendre construído de pau a pique e coberto de plástico e capim é a "carpintaria". A carpintaria é um dos ofícios mais ensinados no centro. Alguns dos formandos mais crescidos dizem já ter conhecimentos suficientes para abrir o seu negócio, mas, como ainda não conseguem ter o próprio material, continuam a frequentar o centro.
Foto: DW/B. Jequete
Deixar a pobreza para trás
João Lucas, adolescente de 15 anos, decidiu abraçar o curso de costura. Já sabe coser uniformes, fatos de capulana, túnicas, entre outros modelos de roupa. "Esta peça que tenho nas mãos, fui eu que confecionei. Quero agradecer aos gestores e organizadores deste projeto porque nós, mesmo que não tenhamos emprego, sabemos fazer algo que nos dará dinheiro. A pobreza ficou para trás."
Foto: DW/B. Jequete
Trabalhar na indústria para depois abrir o próprio negócio
Abel Francisco, de 18 anos e órfão de pai e mãe, agradece ao Governo a oportunidade. Está perto de obter um certificado que lhe permitirá encontrar emprego mais facilmente. "Para alguns colegas foi difícil enquadrarem-se numa carpintaria industrial, por falta de certificado. Com o papel nas mãos, é fácil encontrar emprego. Gostava de trabalhar para conseguir o meu material e ter o meu negócio."
Foto: DW/B. Jequete
Aprendizagem a passo-e-passo
Isabel Caetano, adolescente de 14 anos, já aprende a costurar há 14 meses e conta que já sabe, pelo menos, fazer botinhas e chapéus para recém-nascidos. "Outro tipo de peça de roupa, poderei aprender com o tempo. Por agora tenho de saber costurar roupa para recém-nascidos com perfeição."
Foto: DW/B. Jequete
Boa estratégia governamental
Saene Francisco Sabonete, de 48 anos, é formado na área da carpintaria e tem mais de duas décadas de experiência. É o instrutor dos órfãos no centro. "O Governo pensou numa boa estratégia, ao dar ferramentas básicas para o auto-emprego, visando acabar com mendigos e vulnerabilidade. O que nos inquieta é a falta de material. O que existe é insignificante para o número de crianças."
Foto: DW/B. Jequete
Criar emprego
Com o valor que consegue na venda de produtos feitos por ele e biscates, Alberto Francisco investe na compra de material de carpintaria. Segundo o próprio, "chegou o tempo do desmame e de dar oportunidades a outros" que também podem beneficar da formação. "A minha ideia é abrir a minha carpintaria e contratar alguns aqui do centro. Será uma valia para mim e para eles."
Foto: DW/B. Jequete
É necessário mais material
De visita ao centro, Maria Glória Siaca, diretora-geral do Instituto Nacional de Ação Social (INAS), foi recebida com inúmeros pedidos de material para aumentar o número de cursos profissionalizantes. "Estamos a encetar contatos com parceiros visando a compra de mais materiais", respondeu a dirigente.
Foto: DW/B. Jequete
Exploração infantil ainda existe
Enquanto algumas crianças aprendem vários ofícios, outras realizam trabalhos que não são adequados à sua idade. Há crianças em Manica que ainda são usadas em trabalhos forçosos, o que viola os seus direitos. Por desconhecimento ou receio, as crianças não agem em sua defesa e cingem-se a cumprir ordens. O trabalho infantil é punível por lei.
Foto: DW/B. Jequete
Falta de formação pode levar ao mundo do crime
Infelizmente, a formação promovida pelo centro não chega a todos. Há crianças de rua em Manica que, para além de mendigar, por vezes seguem o caminho do crime. Algumas praticam pequenos furtos, outras são enganadas por bandidos perigosos e levadas a assaltar residências. O Governo prometeu acabar com este cenário, mas é um processo lento.
Foto: DW/B. Jequete
Crianças de rua
Os rapazes desta imagem dizem não sair da rua. Alguns têm famílias mas preferem viver naquelas condições. Dormem em passeios, cobertos com caixas, sacos e cobertores apanhados em lixeiras. Dizem ter fugido de casa porque a comida não chegava para todos ou por vingança aos pais. De dia, fazem biscates, como lavar viaturas, para ganhar dinheiro para se alimentarem.