Moçambique: Taxas para jornalistas são "antidemocráticas"
Leonel Matias (Maputo)
14 de agosto de 2018
Em Moçambique, aumenta a contestação ao decreto-lei que impõe novas taxas a órgãos de Comunicação Social e jornalistas, consideradas como incomportáveis. Críticos dizem que a liberdade de expressão no país está em causa.
Publicidade
A polémica em torno do decreto-lei sobre as novas taxas para a Comunicação Social em Moçambique dominou os debates num encontro promovido esta terça-feira (14.08) em Maputo para assinalar os 27 anos da Lei de Imprensa no país.
Os participantes consideram que as novas taxas, por serem insustentáveis, vão cercear o direito do público a informação e ao exercício de cidadania.
Dércio Tsandzana, um dos oradores, está particularmente preocupado com as rádios comunitárias, que, de acordo com o novo decreto, terão de pagar uma taxa de licenciamento de 50 mil meticais (cerca de 750 euros). É um valor incomportável, que compromete o trabalho daqueles que são os primeiros órgãos a lidar "diretamente com questões que acontecem ao nível das comunidades, a nível local, onde a informação escasseia", afirmou o pesquisador e gestor de plataformas sociais e digitais.
Correspondentes de órgãos estrangeiros
Além disso, o novo decreto-lei impõe o pagamento de uma taxa de 500 mil meticais, o equivalente a cerca de 7.500 euros, pela acreditação de um correspondente estrangeiro residente em Moçambique e igual valor pela renovação. O Governo passará ainda a cobrar 200 mil meticais, cerca de 3.000 euros, pela acreditação de um correspondente permanente nacional de um órgão de comunicação social estrangeiro e igual valor pela renovação da acreditação.
A diretora do Gabinete de Informação de Moçambique, Emília Moiane, disse que a introdução das novas taxas tem em conta as condições do mercado e a necessidade de disciplinar o setor.
Mas o jornalista Tom Bowker, da Zitamar News, está preocupado: "Acho que as taxas são mesmo muito altas e só podem danificar a liberdade de expressão e a diversidade de vozes nos média".
Bowker frisa que as taxas "foram introduzidas sem consultar os órgãos de Comunicação Social e nós, os jornalistas". Caso o decreto-lei não seja revogado ou revisto, o jornalista teme que a sua publicação tenha de pagar anualmente 27 mil dólares em taxas para se manter em funcionamento com os seus atuais cinco jornalistas, dois deles estrangeiros.
Moçambique: Taxas para jornalistas são "antidemocráticas"
Pedidos para anular decreto
Arsénio Manhice, de uma organização local denominada "Mídia Lab", que se dedica à formação de jornalistas, considera que o novo decreto-lei "é antidemocrático e contraria todos os princípios plasmados na Constituição da República relativamente à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa."
Por isso, segundo o especialista, "o esforço que existe é para este decreto não entrar em vigor, porque, a entrar em vigor, vai efetivamente prejudicar o cidadão, que não vai ter a informação que é produzida pelos diferentes órgãos de informação social."
Um grupo de organizações da sociedade civil submeteu esta terça-feira uma petição ao Provedor de Justiça para que solicite ao Conselho Constitucional uma declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade do decreto-lei.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.