Moçambique: O adeus a Dhlakama na aldeia que o viu nascer
Arcénio Sebastião
10 de maio de 2018
Uma semana após a sua morte, o presidente da RENAMO, Afonso Dhlakama, foi sepultado esta quinta-feira (10.05), num cemitério familiar, na sua aldeia natal de Mangunde, distrito de Chibabava.
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Na cerimónia desta quinta-feira (10.05), ouviram-se vários cânticos tradicionais evocando os feitos deste líder histórico da democracia no país. Ao mesmo tempo, o corpo de Afonso Dhlakama era velado por uma incalculável moldura humana, entre população local e políticos da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e do Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
Durante a missa de despedida, celebrada em português e em ndau, língua local, as orações apelaram à paz e reconciliação nacional. No momento da sepultura, foram disparadas três salvas de canhão em reconhecimento do trabalho feito por Dhlakama durante a vida.
Jorge Ataíde, fotojornalista que fez várias digressões pelo país na cobertura dos eventos dirigidos por Dhlakama, conta que o líder do maior partido da oposição era "uma pessoa muito social, muito aberto e muito conversador". Afirmando que é uma "tristeza perder um homem como aquele, que lutou por tanto", Jorge Ataíde mostra-se confiante na "continuação do trabalho" que o líder da RENAMO começou no que ao processo de paz diz respeito.
Elogio à luta incansável
Presente na cerimónia, o filho de André Matade Matsangaissa, ex-guerrilheiro e fundador da RENAMO, exortou os presentes a continuarem firmes na luta desencadeada por Matsangaissa e Dhlakama, rumo a um Moçambique totalmente democrático.
"O que será de nós sem você e sem seus bons ofícios? Porque partiste?", lamentou. "O seu desaparecimento é imensurável. Esperamos que a nova liderança que será eleita continue com os ideais dos dois líderes Dhlakama e Matsangaissa e leve avante o projeto de democratização do país".
Também as lideranças comunitárias destacaram a incansável luta de Afonso Dhlakama: "Os régulos reconhecem claramente o papel desempenhado por Dhlakama, tanto que deixa muitos conhecimentos aos regulados a todos níveis da sociedade moçambicana", afirmou em entrevista à DW África, o régulo Muro de Premigy.
Afonso Dhlakama perdeu a vida aos 65 anos de idade. Deixa uma viúva e oito filhos. Trabalhou na liderança da guerrilha desde 1977.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.