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O drama das crianças forçadas a casar em Manica

Bernardo Jequete (Manica)
4 de março de 2021

Desde 2020, já foram resgatadas cerca de 60 meninas forçadas ao casamento infantil nos distritos de Manica, Machaze, Tambara e Macossa. Para muitas famílias moçambicanas, as uniões forçadas são uma fonte de rendimento.

Mosambik Zwangsheirat Frauen Mädchen
"Por falta de recursos financeiros muitos pais olham para as raparigas como uma fonte de rendimento", diz Ana Dulce Guizado, da organização Save the Children. Na imagem, uma rapariga retorna à casa da família. Foto: Bernardo Jequete/DW

Em Moçambique, o problema das uniões forçadas entre jovens raparigas e adultos é considerado especialmente problemático nos distritos de Manica, Machaze, Tambara e Macossa, na província de Manica. 

As raparigas, com idades entre os 13 e 16 anos, afirmam-se satisfeitas por terem regressado à casa dos pais, mas relatam traumas.

Os pais e encarregados de educação são acusados de forçarem as menores a casar-se com homens adultos em troca de dinheiro ou bens materiais, como bicicletas.

Uma das resgatadas, Vaida Raposo, de 13 anos, conta que o tempo que passou em casa ao lado de um marido que não escolheu foi um drama. "Eu não estava preparada para o casamento, que provou ser especialmente abusivo", desabafa.

"Não podia ir à escola"

"Eu lá trabalhava na machamba. Buscava água, lavava pratos. Para isso, acordava às 4 horas de madrugada. Ele [o marido] negava-me ir à escola. O membro do Comité Comunitário de Protecção à Criança (CCPC) dizia-me: 'tens que ir à escola'. Mas o meu marido dizia que eu deveria ficar aqui, para ir à machamba", relata a jovem que esteve casada quatro meses. Agora, quer estudar para ser professora.

Claudina Manuel, de 14 anos, também foi resgatada de uma união precoce no distrito de Manica, depois de ter um parto prematuro, de seis meses. Tal como Vaida, Claudina também viveu uma experiência traumática.

Muitas jovens relatam que teriam preferido estudar, ao invés de serem forçadas ao casamento.Foto: Bernardo Jequete/DW

"[Os agentes] da proteção foram até à minha casa e falaram comigo, com a minha sogra e o meu marido. Foi quando disseram que podiam levar-me e então voltei para minha casa. Comecei a ir à escola. Depois de um mês descobriram que eu estava grávida de três meses e estudava mesmo grávida, até o bebé nascer", relata.

A jovem diz que gostaria de ser enfermeira. "Esse é o meu sonho, mas não sei se vai dar certo", desabafa.

Trabalho doméstico forçado

As vítimas ouvidas pela DW África dizem que nas casas dos maridos eram forças ao trabalho doméstico, algo que não acontecia na casa dos pais. Segundo as jovens resgatadas, o regresso às suas famílias é agora uma oportunidade para voltarem à escola e concluírem os seus estudos.

Elas esperam concluir uma formação e trabalhar na comunidade também para encorajar os pais ou encarregados de educação a abandonarem a prática de forçar crianças a casarem-se.

Ana Dulce Guizado, diretora de programas da organização Save the Children, em Manica.Foto: Bernardo Jequete/DW

O resgate de crianças das uniões prematuras está a ser levado a cabo pela organização Save the Children e conta com a ajuda dos Comités Comunitários de Protecção a Criança (CCPC), num projeto denominado NORAD.

O procurador distrital de Manica, Nilton Correia, afirma que o trabalho dos parceiros de cooperação tem sido muito importante para identificação e denúncia de casamentos precoces e explica que a pobreza é uma das causas principais desta prática nociva, e diz que a punição não lhe parece a solução adequada.

Desconhecimento 

"Muitas vezes nem é porque as pessoas tem a intenção de cometer o delito de forçar uma união prematura", explica, "isso acontece mesmo pelo desconhecimento da população", acrescenta Correia.

Também Ana Dulce Guizado, diretora de programas da organização Save the Children, em Manica, acredita que o problema principal das uniões forçadas tem como causa a extrema pobreza das famílias, que acabam por forçar as raparigas ao casamento.

"Por falta de recursos financeiros muitos pais olham para as raparigas como uma fonte de rendimento", diz. Mas "há várias estratégias que a organização tem estado a usar e uma dessas diz respeito à educação dos pais e das próprias crianças para que saibam que nenhuma delas deve ser casada antes dos 18 anos de idade".

Por outro lado, Guizado diz que a Save the Children tem estado a trabalhar no reforço da capacidade das instituições para fazer valer estes direitos, porque "são as instituições que velam e que tem que assegurar, quando uma criança é vítima, que saibam como agir e como garantir a sua proteção", concluiu.

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