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Moçambique: O processo de DDR é um projeto viável?

Maria João Pinto
15 de junho de 2020

O coordenador do Instituto para Democracia Multipartidária (IMD) defende a participação das autoridades locais no processo de reintegração dos ex-guerrilheiros da RENAMO. Projeto foi retomado após uma pausa de meses.

Presidente Filipe Nyusi (esq.) e Ossufo Momade (centro), líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), em Sofala. Foto: DW/A. Sebastião

Depois de uma pausa de vários meses, foi retomado o processo de desmilitarização, desarmamento e reintegração (DDR) dos ex-guerrilheiros da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), em Moçambique. No sábado, foi encerrada a primeira de 16 bases militares da oposição e o chamado processo de DDR, iniciado em agosto do ano passado, deverá continuar agora de forma faseada, devido à pandemia da Covid-19. Marcado por divergências profundas e enormes desafios de logística, será este um projeto viável? Foi o que perguntámos ao coordenador do Instituto para Democracia Multipartidária (IMD) de Maputo, Dércio Alfazema.

DW África: Desde 2019 que está a andar este processo. Agora, com a desmobilização retomada por fases, precisamente, devido à pandemia da Covid-19. Acha que este é um projeto viável?

Dércio Alfazema (DA): Como todos os moçambicanos, estamos interessados que a paz seja definitiva. Andamos numa sequência de acordos assinados que, por várias razões - e até por razões políticas - são deixados de lado, esquecidos. E há sempre a retoma de conflitos. O nosso interesse e desejo é que este acordo seja efetivo e sustentável. De modo que venhamos a sair deste círculo. A cada cinco anos estamos a assinar acordos, mas precisamos de ações que tornem este acordo viável e sustentável. Essas pessoas estão a retornar para as comunidades e elas precisam ser enquadradas nesses locais. Para isso, defendemos a participação das autoridades locais. Esses são os que melhor conhecem a dinámica das comunidades para receber estes indivíduos e para sensibilizar as comunidades sobre os mesmos e toda a dinámica que poderá ser afetada pela presença destes indivíduos.

Moçambique: O processo de DDR é um projeto viável?

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DW África: Na semana passada, vimos 38 ex-guerrilheiros da RENAMO entregarem as armas e regressarem às zonas de origem. E prevê-se que cinco mil, no total, sejam abrangidos com medidas que lhes permitam uma reintegração na sociedade. Estamos a falar, em muitos casos, de pessoas que não conhecem outro modo de vida além deste contexto das matas. Como é que se reintegram estas pessoas? Na prática, de que precisam?

DA: Exatamente. Pode ser errônea a perceção de que basta entregar equipamentos, materiais e até alocar alguns valores para que eles sejam integrados nas comunidades. Isso já foi feito em 1992, e foi algo que não teve os efeitos que esperávamos. É por isso que voltamos a reintegrá-los, passados quase 28 anos. De fato, é preciso que se crie uma estrutura não somente económica, no sentido de oferecer meios e subsídios que precisam para ter uma vida normal. Mas, a necessidade da integração social e de mecanismos formais de reivindicação que deverão usar caso não estejam satisfeitos com uma, ou outra, situação. Portanto, há um conjunto de ações que precisam ser desencadeadas, desde já, para que este processo seja efetivo.

Além disso, há as questões eleitorais, muitas vezes usadas como um móbil para a ocorrência de conflitos e para pôr em causa a estabilidade do país. Esse também será um desafio. Daqui a quatro anos, teremos eleições autárquicas e, daqui a cinco anos, eleições gerais. É preciso que as instituições envolvidas na organização destes processos eleitorais tenham em conta que esses processos também tocam esta a estabilidade do país, a credibilidade dos processos, que devem ser transparentes, as leis devem ser aprovadas a tempo, o debate deve envolver toda a sociedade, e não apenas os atores políticos. De modo que o processo venha a decorrer e que  os resultados sejam aceite por todos, ou que, pelo menos, não levem a contestações que resultem em conflitos militares. 

Também é importante que os parceiros que estão a apoiar este processo de DDR incluam projetos de desenvolvimento ao nível das comunidades, sobretudo onde haverá maior concentração destes homens que estão a ser reintegrados na sociedade. Portanto, é preciso um mapeamento dos locais para onde eles irão. Nestes locais deve haver projetos, ações de formação, para que esses militares e as comunidades criem associações, para que participem destes projetos, treinamentos e formações. Portanto, trata-se de um processo longo. Essa é apenas uma fase. Mas também temos que investir bastante nas fases que seguem. Esperamos que estes processos façam parte do plano que existe neste processo de DDR.

DW África: A verdade é que o processo já está a decorrer e já há muitos ex-guerrilheiros a regressar às zonas de origem. Acha que faltou aqui organização?

O momento do abraço entre Filipe Nyusi e Ossufo Momade

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DA: Este é um processo que sempre decorreu em contextos de informações partilhadas "às meias". Portanto, nunca foi um processo tão aberto, com todos a ter acesso às informações e consensos dos acordos. Nós presumimos algumas coisas. Eu não quero acreditar que o processo esteja a culminar apenas com o retorno destas pessoas à comunidade. Mas, sim, que exista um plano de longo prazo que continuará a ser implementado, para a reintegração seja efetiva. Estamos a falar de pessoas que estiveram nas matas nos últimos 30 ou 40 anos. O processo de reintegração delas não pode decorrer em apenas um ou dois anos. É um processo de reintegração social. Eles devem aprender as novas práticas e formas de ser e estar. E também sobre como reivindicar num contexto democrático e de multipartidarismo - um contexto em que acreditamos recorrer às instituições. Essas pessoas saíram das suas zonas muito jovens. Outros, eram solteiros e hoje, provavelmente, estão a voltar com as suas respetivas famílias. Portanto, é um processo para o qual deve haver um plano de longo prazo.

DW África: Falou várias vezes da necessidade de haver canais formais de reivindicação para evitar conflitos. O processo é retomado numa altura em que a autointitulada Junta Militar da RENAMO continua a contestar o acordo de paz e a própria liderança do partido. É uma ameaça real à concretização do DDR?

DA: Sem dúvida. Neste momento, a questão da Junta Militar é uma preocupação. É uma ameaça ao processo de DDR. Mas também é uma ameaça à instabilidade do próprio país. Trata-se de uma questão que precisa ser levada a sério e é preciso que sejam desencadeadas ações com vista a interagir com este grupo, com a liderança do grupo. Compreender quais são as suas reais motivações. E estas negociações podem, numa primeira fase, ser feitas ao nível do partido RENAMO. Entretanto, caso os resultados não sejam os desejados, penso que o Governo, ou mesmo a própria comunidade internacional, podem intervir para mediação deste conflito. Também para que este grupo seja sensibilizado a fazer parte da agenda nacional dos moçambicanos, que, neste caso, é a questão da paz. Portanto, há que ter em consideração. Mas também é preciso que sejam imediatamente desencadeadas as ações para se ultrapassar esta situação da Junta Militar da RENAMO, porém, sem criar espaço para que venham a surgir sistematicamente grupos, por entender-se depois, que vai ter espaço para negociar com o Governo e a comunidade internacional.