Dividas: Ocultação de património trava recuperação de ativos
Lusa
25 de fevereiro de 2022
O Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique considera que a recuperação de ativos comprados com o dinheiro das dívidas ocultas será ineficaz, porque parte do património está escondido no estrangeiro.
Publicidade
"A criminalidade organizada tem assumido a característica de transnacionalidade, quando envolve crimes de natureza económico-financeira, em que os agentes procuram esconder os ativos obtidos ilicitamente noutros países e não nos da sua origem, para se furtarem às ações da justiça", refere uma análise do jurista Baltazar Faela, do CIP.
Na análise, intitulada "Processo das dívidas ocultas: ainda é possível recuperar um volume substancial dos ativos?", Faela observa que face a situações deste tipo, a Assembleia da República deve produzir uma lei de repatriamento de capitais para tornar o regime jurídico de recuperação de ativos mais eficaz.
Esse dispositivo legal, prossegue, vai permitir o retorno ao país dos capitais ilegalmente transferidos para o exterior. O jurista assinala que dados do Gabinete Central de Recuperação de Ativos, uma entidade estatal, referem que até agosto de 2021 tinham sido recuperados cerca de 15,6% do total do valor dos prejuízos causados ao Estado pelas chamadas dívidas ocultas.
"O Gabinete Central de Recuperação de Ativos deve apresentar as suas estatísticas sobre o volume de ativos recuperados na moeda nacional de Moçambique, para permitir que a sociedade possa avaliar a eficácia da sua atividade", nota a análise.
Transparência na gestão de ativos recuperados
Baltazar Fael defende que os autores de crimes financeiros devem ser "despojados" dos lucros obtidos com a atividade criminosa, além do cumprimento da pena de prisão. "É fundamental que se privilegie a realização de investigações financeiras bastante aturadas de modo a seguir o caminho do dinheiro", lê-se no documento.
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
01:34
Por outro lado, continua, é preciso que exista transparência na gestão dos ativos recuperados, visando evitar situações de desvios ou má aplicação. "Não basta privilegiar a componente de recuperação de ativos, é fundamental que exista transparência na sua gestão", diz o texto.
O jurista do CIP enfatiza que a prática tem mostrado que o valor dos ativos recuperados tem sido usado ou canalizado para apoiar o desenvolvimento sustentável e reforço dos sistemas de justiça criminal.
"Sendo assim, a lei deve indicar, de forma concreta, as entidades que se devem beneficiar dos bens recuperados, indicando o valor total recuperado e a percentagem que deve ser destinada a cada uma", frisa.
Publicidade
Arresto preventivo de bens
O Tribunal Judicial da Cidade de Maputo comunicou quinta-feira (24.02) aos advogados dos 19 arguidos do processo principal das dívidas ocultas que a discussão sobre o requerimento formulado pelo Ministério Público para o arresto preventivo de bens será realizada em data a anunciar.
O Ministério Público pediu o arresto preventivo de bens que considera terem sido adquiridos com o dinheiro das dívidas ocultas, com fundamento no risco de ocultação ou dissipação desse património. Entre os bens arrolados pela acusação, incluem-se imóveis, carros, terrenos, ações e dinheiro.
As dívidas ocultas foram contraídas entre 2013 e 2014 pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM para projetos de pesca de atum e proteção marítima. Os empréstimos, no valor de 2,7 mil milhões de dólares (cerca de 2,3 mil milhões de euros) foram secretamente avalizados pelo governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), liderado por Armando Guebuza, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
Moçambique: Propriedades e instituições ligadas às "dívidas ocultas"
O processo denominado "dívidas ocultas" envolve não apenas pessoas de muitos quadrantes políticos e sociais, mas também empresas, propriedades e instituições.
Foto: Romeu da Silva/DW
O julgamento das "dívidas ocultas" decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo
O processo decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo desde 23 de Agosto de 2021. A sexta sessão revelou que arguidos e declarantes adquiriram residências luxuosas e criaram empresas de lavagem de dinheiro. A sociedade moçambicana ficou a conhecer a extensão da lesão que sofreu por causa das dividas ocultas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tudo começou no bairro de Sommerschield
Tudo começou no bairro de elite da Sommerschield, onde fica a sede do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Não se trata do edifício na foto, já que é proibido fotografar o edifício do SISE. Mas foi nas suas instalações que foi desenvolvido o projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que acabou endividando o Estado em cerca de 2,2 mil milhões de dólares.
Foto: Romeu da Silva/DW
Lavagem de dinheiro
No julgamento, o Ministério Público (MP) acusou o réu António Carlos do Rosário de ser proprietário de vários apartamentos neste edifício chamado Deco Residence. O MP refere que do Rosário comprou, em 2013, três apartamentos, no valor de 500 mil dólares cada. O valor foi transferido pela IRS para a Txopela Investiments, de que era administrador.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tribunal confisca apartamentos
Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, ocupava um apartamento aqui na Deco Assos. Foi obrigado a abandonar a unidade e a entregar a chave ao Tribunal de Maputo. A área residencial está a ser construída ao longo da marginal, uma zona que passou a ser muito concorrida.
Foto: Romeu da Silva/DW
Apartamento Xenon
António Carlos do Rosário também terá "metido a mão" neste imóvel. Na acusação consta que, em 2015, a Txopela transferiu 2,9 milhões de dólares para a Imobiliária ImoMoz para a compra de apartamentos neste edifício, que antes funcionava como cinema Xenon.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alerta lançado pela INAMAR foi ignorado
A INAMAR é uma empresa que se dedica à inspeção naval. No processo da contratação das dívidas, a INAMAR avisou que os barcos da empresa pública EMATUM, que custaram 600 milhões de dólares, foram construídos à revelia das normas. Por causa das irregularidades, a INAMAR chumbou as embarcações. E alertou as autoridades relevantes, que ignoraram o relatório.
Foto: Romeu da Silva/DW
Casa de câmbios transformada em "lavandaria"
A Africâmbios transformou-se numa casa na lavagem de dinheiro. Alguns funcionários foram obrigados a abrir contas, usadas pelos seus superiores para a transferência de dinheiro da empresa Privinvest, igualmente envolvida no escândalo. O proprietário da Africâmbios, Taquir Wahaj, fugiu e é procurado pela justiça moçambicana.
Foto: Romeu da Silva/DW
Presidência e reuniões do comando conjunto
A presidência da República, perto da edifício da secreta moçambicana, acolheu algumas reuniões do Comando Conjunto e Operativo onde estiveram os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, atual Presidente da República, Alberto Mondlane, ministro do Interior e elementos do SISE. Há muita pressão para que o antigo Presidente Guebuza e Nyusi sejam ouvidos como réus e não como declarantes no caso.
Foto: Romeu da Silva/DW
MINT fazia para do Comando Conjunto
O Ministério do Interior, assim como o Ministério da Defesa, eram considerados cruciais no projeto de Proteção da Zona Económica Exclusiva. O tribunal tem na lista de declarantes o antigo ministro Alberto Mondlane para prestar declarações e o papel que este Ministério teve na contratação das dívidas ocultas.