Execuções e abusos das autoridades denunciadas pela HRW
Lusa | ar
4 de dezembro de 2018
HRW denuncia novas suspeitas de execuções sumárias e abusos das autoridades de Moçambique contra alegados autores de ataques a povoações remotas no norte do país
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A organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW) denunciou esta terça-feira (04.12.) em comunicado novas suspeitas de execuções sumárias e abusos das autoridades moçambicanas contra os alegados autores de ataques a povoações remotas no norte do país.
"É fundamental que as autoridades moçambicanas tomem imediatamente medidas para pôr termo aos abusos cometidos pelas suas forças de segurança e para punir os responsáveis", disse Dewa Mavhinga, diretor da HRW na África Austral, em comunicado, sobre a situação de violência que se vive há um ano na província de Cabo Delgado.
A ONG entrevistou 12 vítimas e testemunhas de abusos, bem como oficiais das forças de segurança e jornalistas entre 10 e 27 de novembro, indicou no mesmo comunicado.
Dois soldados no distrito de Macomia confirmaram a morte de suspeitos, mas não forneceram mais detalhes, por receio de virem a ser identificados. Um dos soldados disse que tinham recebido "ordens dos superiores" para eliminar os "bandidos", o que, segundo o seu entendimento, significava que deviam "matá-los sempre que possível".Um terceiro soldado partilhou fotos de cadáveres de alegados rebeldes que foram executados de forma sumária durante uma operação no distrito de Nangade, em 13 de novembro.
Muitas pessoas presas nos locais de detenção
Um habitante relatou à HRW que nos locais de detenção havia muitos outros presos e que alguns eram levados para o meio do mato, ouvindo-se gritos e tiros em momentos de tensão, após os quais alguns dos detidos não eram mais vistos.
Há casos em que quem não foge das aldeias durante os ataques fica detido por vários dias em quartéis improvisados para explicar porque não fugiu e relatar o que viu, disse à HRW um alto funcionário do exército, que classificou a privação de liberdade como normal.
Outros continuaram presos e fazem parte dos cerca de 200 arguidos no julgamento de alegados autores dos ataques a aldeias de Cabo Delgado, que decorre no tribunal de Pemba, capital provincial.
Atos de tortura para forçar confissões
Um procurador do Ministério Público da província de Cabo Delgado, que pediu para não ser identificado, disse à HRW que muitos dos réus acusaram os soldados de os manterem detidos durante várias semanas antes de os entregar à polícia, fazendo uso de tortura para forçar confissões e, nalguns casos, matando suspeitos de insurgência desarmados no mato.
A HRW citou o porta-voz nacional da Polícia da República de Moçambique (PRM), Inácio Dina, que negou a existência de suspeitos a serem interrogados de forma arbitrária, privados dos direitos previstos na lei.
Dirigentes islâmicos, ouvidos pela Lusa, têm denunciado, desde há um ano, detenções feitas sem transparência, nem respeito pela lei, junto das comunidades muçulmanas da região de Cabo Delgado.A onda de violência naquela zona (dois mil quilómetros a norte de Maputo, no extremo norte de Moçambique, junto à Tanzânia) começou após um ataque armado a postos de polícia de Mocímboa da Praia, em outubro de 2017.
Na altura, dois agentes foram abatidos por um grupo com origem numa mesquita local, que pregava a rebelião contra o Estado e cujos hábitos motivavam, pelo menos desde há dois anos, atritos com os residentes.
Depois de Mocímboa da Praia, têm ocorrido dezenas de ataques que se suspeita estarem relacionados com o mesmo tipo de grupo, sempre longe do asfalto.
100 pessoas já morreram desde outubro de 2017
Os ataques têm acontecido fora da zona de implantação da fábrica e outras infraestruturas das empresas petrolíferas que vão explorar gás natural, na península de Afungi, distrito de Palma, na região, e cujas obras avançam com normalidade.
De acordo com números oficiais, cerca de 100 pessoas, entre residentes, supostos agressores e elementos das forças de segurança, morreram desde que a onda violência começou.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".