Moçambique: ONG endereçam carta ao Banco Credit Suisse
AFP
9 de fevereiro de 2019
Organizações da sociedade civil moçambicana pedem em carta ao banco Credit Suisse que o país não pague um "tostão" relativo aos empréstimos do escândalo das "dívidas ocultas".
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Diversas organizações da sociedade civil moçambicana pedem ao banco Credit Suisse que Moçambique não pague um "tostão" dos empréstimos obtidos junto ao banco e relativos ao escândalo das "dívidas ocultas", que levaram o país a uma grave crise económica.
"A crise da dívida moçambicana é resultado direto do conluio ilegal entre o Credit Suisse, empresários e funcionários do Governo moçambicano, que conscientemente e intencionalmente agiram para prejudicar a sociedade e a economia moçambicanas já debilitadas", alegaram diversas ONG numa carta ao banco suíço que a agência de notícias AFP teve acesso.
Segundo a notícia veiculada pela AFP neste sábado (09.02), entre estas organizações não-governamentais está a Fundação para Desenvolvimento da Comunidade (FDC) de Graça Machel, a esposa moçambicana do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela.
Dívidas Ocultas
Desde 2016, Moçambique está mergulhado numa séria crise económica em decorrência da descoberta de uma dívida oculta no valor de dois mil milhões de dólares contraída pelo Governo moçambicano.
Recentemente, diversas pessoas foram indiciadas nos Estados Unidos por seu envolvimento no escândalo, incluindo o ex-ministro das Finanças moçambicano, Manuel Chang, atualmente detido na África do Sul, além de três ex-banqueiros do Credit Suisse.
"Com a exceção de um comunicado de imprensa sobre a prisão de ex-funcionários, o Credit Suisse não forneceu uma explicação satisfatória para seu envolvimento na crise dessa dívida ilegal", disseram as ONG moçambicanas na carta datada de 25 de janeiro.
Estas organizações e "a população moçambicana rejeitam veementemente a posição do banco de que a crise se deve apenas ao comportamento de banqueiros desonestos (...). O Credit Suisse deve ser responsabilizado".
"Nem um centavo"
As organizações pedem ao "Credit Suisse para declarar publicamente que o povo moçambicano não deveria pagar um único centavo dessas dívidas, e que o dinheiro deveria ser recuperado de indivíduos que se beneficiaram deste caos".
"Milhões de moçambicanos foram empurrados para a pobreza. Nos hospitais, pessoas estão morrendo por falta de remédios e milhões de estudantes não têm acesso a livros e educação de qualidade por causa de ações ilegais, corruptas e desonestas por parte de alguns de seus funcionários ", escreveram as ONG.
De acordo com a acusação da justiça dos EUA, ex-funcionários do Credit Suisse terão "interferido nos controles internos do banco, agindo assim em benefício pessoal e tentando esconder essas atividades do banco", explicou no início de janeiro o Banco Credit Suisse, afirmando, entrentanto, não estar sujeito a processo judicial.
Impacto da crise na vida dos moçambicanos
Trabalhadores em Maputo relatam as dificuldades que enfrentam todos os dias, com o país mergulhado numa crise financeira. Alguns ainda conseguem pequenos lucros, enquanto outros tentam estratégias para atrair clientes.
Foto: DW/Romeu da Silva
Novos tempos, menos lucros
Ana Mabonze tem uma loja de gelados há pouco mais de sete anos e diz que os rendimentos não têm sido bons ultimamente. Por dia, lucra apenas o equivalente a cerca de dois euros. O negócio é feito na ponte cais, também conhecida por Travessia. Nestes dias, os lucros baixaram porque os automobilistas que iam de ferryboat para Katembe agora usam a nova ponte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"Boa cena"
O negócio de transferência de dinheiro por telefone conhecido por Mpesa está a alimentar muitas famílias. É o caso de Angélica Langane, que na sua banca "Boa Cena" diz ter clientes frequentemente, porque muitos estão preocupados em transferir dinheiro, seja para pagar dívidas, fazer compras ou apenas para ter a sua conta em dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
O dinheiro não aparece
Numa das ruas de Maputo também encontramos Dulce Massingue, que montou a sua banca de venda de fruta. Para ela, este negócio não está a dar lucros. Diz que o pouco que ganha apenas serve para pagar o seu transporte. Nestes dias de crise, Dulce pensa em mudar de negócio, mas tudo depende do dinheiro que não aparece.
Foto: DW/Romeu da Silva
Trabalhar para pagar o transporte?
O trabalho de Jorge Andicene é recolher garrafas plásticas para serem recicladas pelos chineses. Sem ter revelado quanto ganha por este negócio, Jorge diz que não chega a ser bom, porque o mercado está muito apertado. Os preços de vários produtos subiram, por isso também os lucros são apenas para pagar o transporte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"As pessoas comem menos na rua"
A dona desta barraca não quis ser identificada, mas confessa que por estes dias o negócio baixou bastante. Vende hambúrgueres e sandes. As pessoas agora preferem trazer as suas refeições de casa para poupar dinheiro, diz. O negócio rende-lhe por dia o equivalente a dois euros, dinheiro que também deve servir para comprar outros bens para as crianças.
Foto: DW/Romeu da Silva
Costureira também não vê lucros
O arranjo de roupas é outro negócio pouco rentável, mesmo nos tempos das "vacas gordas". É oneroso transportar todos os dias esta máquina, por isso Maria de Fátima decidiu ficar num dos armazéns na cidade de Maputo, pagando um determinado valor. São poucos os clientes que a procuram para arranjar as suas roupas.
Foto: DW/Romeu da Silva
Negócio já foi mais próspero
Um dos negócios que tinha tendência de prosperar na capital era a venda de acessórios de telefones. Mas como há muitas pessoas que fazem este negócio, a procura agora é menor e o lucro baixou muito. O que salva um pouco estes empreendedores é o facto de cada dia haver novos tipos de telefones.
Foto: DW/Romeu da Silva
Poder de compra reduzido
Nesta oficina trabalham jovens mecânicos especializados na reparação de radiadores. Não quiseram ser identificados, mas afirmam que durante anos este negócio lhes rendia algum dinheiro para pagar a escola. Mas com a crise que se vive agora, a situação agravou-se. São poucos os clientes que os procuram e alegam que muitos moçambicanos perderam poder de compra.
Foto: DW/Romeu da Silva
Nada de brilho
O negócio de engraxador é outro que já não está a render, segundo os profissionais. Os únicos indivíduos que os procuram são estrangeiros de origem europeia, sobretudo portugueses. Os nacionais, diz Sebastião Nhampossa, preferem fazer o serviço por conta própria em casa. Com esta crise, é normal os engraxadores serem visitados apenas por um ou dois clientes por dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
Estratégias para atrair o cliente
Quando as atividades da Inspeção Nacional das Atividades Económicas (INAE) trouxeram à tona a real situação de higiene nos restaurantes, muitos cidadãos passaram a não frequentar estes locais. Como forma de deleitar a clientela, o dono deste pequeno restaurante promove música ao vivo de cantores da velha guarda e ten uma sala de televisão para assistir a jogos de futebol.