Moçambique: ONGs temem possível encerramento das atividades
Bernardo Chicotimba
2 de dezembro de 2020
Na província de Manica, organizações internacionais ponderam parar as atividades por causa da insegurança. As operações das ONGs têm sido afetadas por ataques atribuídos à autoproclamada "Junta Militar" da RENAMO.
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Os ataques na província de Manica, centro de Moçambique, estão a inquietar várias organizações não-governamentais que atuam no terreno. É o caso da Abt Associates, que, através do projeto ECHO, presta assistência técnica, médica e medicamentosa a pessoas a viver com HIV/SIDA.
Segundo Manuel Napua, diretor do projeto, a situação de insegurança já afetou 18 unidades sanitárias das 51 que a organização assiste na província.
"Temos feito assistência técnica, transporte de medicamentos e de amostra de carga viral das unidades sanitárias para o laboratório do hospital provincial de Chimoio. De certa maneira, essas atividades têm sido impactadas pela situação que se vive atualmente. Às vezes até somos impedidos de ir a Machaze e Mossurize. Estamos realmente a ter dificuldades de fazer este apoio técnico aos distritos", afirmou.
As atividades de algumas organizações têm sido condicionadas por ataques alegadamente perpetrados pela autoproclamada "Junta Militar" da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), da oposição.
Impacto humanitário
A situação é pior na região sul da província, nomeadamente nos distritos de Gondola, Sussundenga, Machaze e Mossurize.
Manuel Napua frisa que o impacto desta situação é muito grande. "Isso é muito para a província […] Ao termos uma restrição de quase 18 unidades sanitárias, é um desafio muito grande. O nosso objetivo principal é apoiar o Governo de Moçambique e a província para o controlo da epidemia do HIV", sublinhou.
Mais de 30 organizações internacionais trabalham em coordenação com o governo provincial de Manica, sobretudo no setor da saúde. Sérgio Pereira, representante do fórum das ONGs internacionais que operam em Manica, pretende encontrar-se brevemente com o governo provincial para falar sobre a situação de insegurança.
"Daqui a dias havemos de marcar um encontro com o governo provincial para podermos perceber como é que nos devemos posicionar. Há muitas organizações que ligaram a procurar saber se podem continuar a caminhar ou não, porque estão ameaçadas. É um assunto que estamos a tentar discutir", disse.
Entretanto, a polícia garante estar a trabalhar para pôr um travão aos ataques. Mateus Mindú, porta-voz da polícia em Manica, diz que o patrulhamento foi reforçado.
"Há certos postos fixos que estão ao longo do distrito, não só ao longo da estrada, também como bairros circunvizinhos, com vista a identificar, neutralizar e responsabilizar criminalmente os infratores pelos seus atos. Para a eficácia dessa atividade, contamos com o apoio da sociedade em geral no que tange às denúncias", afirmou.
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Combate à violência
O secretário de Estado em Manica, Edson Macuácua, pede o envolvimento de toda a sociedade no combate à violência.
"A paz é um grande desafio que nós temos na nossa província. Gostaríamos de pedir que as organizações da sociedade fossem parte da solução, porque atuam, a maior parte delas, numa base até assente na comunidade. Temos que trabalhar todos para cultivarmos este ambiente de paz", afirmou.
A governadora de Manica, Francisca Tomás, também desafia as organizações não-governamentais a difundirem mensagens de paz nas comunidades, onde cada uma opera. "Estando lá nas comunidades temos que disseminar mensagens positivas, para que a paz permaneça no nosso território, para que seja uma realidade", disse.
"Todos devemos ser sensíveis perante essa situação que nos periga a todos. Não há ninguém que possa não temer as armas. Por isso devemos também potenciar essa atividade nas nossas ações", acrescentou a governadora provincial.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.