Alas da FRELIMO ligadas à corrupção poderão aproveitar-se da boleia das contestações de Samora Machel Jr. para fragilizar ainda mais Filipe Nyusi no comité central do partido, entende o jornalista Fernando Lima.
Publicidade
Samora Machel Jr. declarou guerra aberta a Filipe Nyusi ao exigir que a FRELIMO abra um processo disciplinar contra o líder do partido e também Presidente da República por supostamente ter violado os estatutos da formação.
Esta posição consta da sua carta reação ao processo disciplinar contra si instaurado na sequência da sua candidatura às autárquicas de outubro de 2018.
Em que medida os pronunciamentos de Samito podem impulsionar uma ação contra Nyusi no comité central da FRELIMO que acontece de 3 a 5 de maio na Matola?
Fernando Lima é jornalista e opina: "De uma maneira geral, penso que este pronunciamento será minimizado durante o evento, essa é a tradição no seio da FRELIMO, porque existe uma determinação que ocorreu há dois anos atrás aquando da realização do congresso [do partido] que escolheu Filipe Nyusi a um segundo mandato. Ora, não me parece que tenham ocorrido eventos dramáticos de setembro de 2017 até agora para se escolherem outros potenciais candidatos."
Mudança ou continuidade com nova roupagem?
Há uma crescente fragilização da imagem do líder do partido que governa Moçambique desde a independência em 1975. Logo, este ambiente seria o favorável para que as palavras de Samito ganhem eco no partido. Entretanto, o cientista político Pedro Nhacete não acredita em saídas radicais.
"Penso que ele vai ao comité central de uma forma mais fragilizada, mas penso que tudo vai depender do que vai ser o objetivo final do comité central: quer a mudança ou continuidade, se calhar de uma forma [diferente], com uma outra roupagem. Pode ser que apareçam defensores a favor da continuidade do Presidente Nyusi, já com uma nova roupagem e se calhar expurgar uma série de indivíduos que rodeiam o Presidente ligados a atos de corrupção", afirma Nhacete.
Quem vai apanhar a boleia da contestação de Samito na FRELIMO?
Determinados setores acreditam na possibilidade das alas que se opõem ao líder do partido virem a aproveitar-se deste momento de crise que o país para o afastar da corrida para o segundo mandato, marcada para outubro próximo.
Opositores de Nyusi vão colar-se à Samito para o fragilizar?
É que o nome de Filipe Nyusi também tem sido frequentemente associado ao pior escândalo de corrupção da história do país, o caso das dívidas ocultas, para além da dificuldades que o seu Governo tem demonstrado para sanar as outras crises não menos preocupantes do país.
Mas o jornalista descarta essa possibilidade e contra argumenta: "Tenho sérias dúvidas sobre o poder dessas alas. Penso que é preciso clarificar algumas questões importantes; acho que é genuíno o sentimento e Samora Machel Jr. e de muitas pessoas que o apoiam."
E Lima entende que "dentro desta nebulosa que eventualmente poderá apanhar uma grande boleia política desta contestação estão forças, digamos, preocupantes e que se poderão eventualmente colar a Samora Machel Jr., mas que representam o que há de pior e mais retrógrado e reacionário no partido FRELIMO, ou seja, neste momento, todos os corruptos e a ala que se beneficiou com os contratos sombra no contexto das dívidas ocultas são críticos de Filipe Nyusi e convêm-lhes apanhar boleia da candidatura ou contestação que Samora Machel Jr. está a fazer."
“A Palavra e o Gesto” de Samora Machel
Na Fundação Mário Soares, em Lisboa, estão expostas as fotografias de Samora Moisés Machel, líder da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). As imagens são do fotógrafo moçambicano Kok Nam (1939-2012).
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Dos primeiros retratos do Presidente
O conceituado fotojornalista moçambicano, Kok Nam, registou as imagens e os gestos que tornaram lendária a figura e o carisma do primeiro Presidente da República de Moçambique. Machel foi Presidente de 25 de junho de 1975 a 19 de outubro de 1986.
Os registos fiéis de Kok Nam
A exposição, inaugurada no dia 24 de novembro, abre com esta imagem de 1985 em que o Presidente moçambicano falava à população. No verso Kok Nam escreveu “The maestro of the mass rally” (O maestro do comício de massas). Após a independência, em 1975, com a fuga generalizada dos quadros brancos, Machel lançou programas de reorganização económica, com o apoio dos países socialistas.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Graça Machel: primeira-dama
Em 1976, casa com Graça Simbine, que entrara em 1969 para a organização clandestina da FRELIMO. Além de primeira-dama, Graça Machel foi ministra da Educação até 1989. Uma das figuras mais conhecidas da História africana, Graça Machel é a única mulher que foi primeira-dama de dois países. Depois da morte de Samora, casou com Nelson Mandela, primeiro Presidente da África do Sul do pós-apartheid.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Político frontal e didático
Frontal, direto, seguro de si e desafiador no discurso à população: esta foto de 1983 captou um dos gestos típicos do político. Samora convencia pela simplicidade com que abordava os assuntos mais complexos do país e dos moçambicanos. Foi assim que conquistou a adesão das populações às suas mensagens e doutrina.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
A mobilização dos jovens
Nascido a 29 de setembro de 1933, em Xilambene, na província de Gaza, Machel viria a assumir-se como um combatente pela liberdade. O seu objetivo era dar continuidade à luta iniciada pelo seu antecessor, Eduardo Mondlane, assassinado em fevereiro de 1969, e que fundou a FRELIMO em junho de 1962. Nesta foto, Machel dirige-se aos jovens militares na base de Nachingwea (1974).
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Unir todos os moçambicanos
Conversa com uma cidadã moçambicana (1983). Samora sabia escutar a voz do povo. Das suas frases, esta proferida em setembro 1973 expressa bem uma das suas maiores preocupações: "Unir todos os moçambicanos, para além das tradições e línguas diversas, requer que na nossa consciência morra a tribo para que nasça a Nação.”
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Capacidade de diálogo
A unidade da Nação ainda hoje é uma prioridade defendida pela FRELIMO, no poder desde 1975. Samora afirmou que "O povo não é um conjunto de raças. É um conjunto de homens iguais". Perante o olhar atento de populares e da imprensa, o líder conversa com uma senhora, dando provas da sua capacidade de diálogo no período de transição entre a dominação colonial e a independência de Moçambique.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Atenção à saúde dos moçambicanos
Samora Machel em visita a uma unidade hospitalar moçambicana em 1983. Machel dizia que o doente era sagrado para o hospital: "Um enfermeiro, um servente, um médico, não conhecem a vingança na sua missão. O pessoal médico não discrimina doentes", dizia. Gostava de dar orientações em todos os setores e momentos da vida moçambicana.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
A ligação ao bloco soviético
Samora Machel tratou sempre de privilegiar a relação com o bloco socialista, que apoiou a luta de libertação das antigas colónias portuguesas. Kok Nam registou o Presidente à partida para uma visita à então União Soviética. Esta desempenhou um papel relevante nos chamados países da “Linha da Frente” de luta contra o regime do apartheid da África do Sul.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Morte em Mbuzini
Samora Machel morreu em 19 de outubro de 1986, quando o avião em que seguia se despenhou em Mbuzini, na vizinha África do Sul, na fronteira com Moçambique. Regressava a Maputo vindo de uma cimeira na Zâmbia, com os presidentes de Angola, Eduardo dos Santos, e do Zaire, Mobuto Sese Seko, entre outros. A exposição em Lisboa assinala os 30 anos da sua morte.