OAM afirma que "há evidências e provas bastantes de que a Vale não cumpriu o plano de reassentamento". Por isso, o organismo luta para que multinacional, de saída de Moçambique, pague o que deve às comunidades afetadas.
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A empresa mineira brasileira Vale anunciou recentemente a venda dos seus ativos na mina de carvão em Moatize na província de Tete, centro de Moçambique, e da base logística de Nacala. O negócio, que foi fechado com a Vulcan Minerals do grupo Jindal, preocupa a Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) que durante certa de uma década tem pressionado a multinacional a indemnizar as comunidades afetadas pela mina de Moatize, pelos danos patrimoniais e violações de direitos Humanos.
João Nhampossa, representante da OAM, estranha que as autoridades judiciais moçambicanas se mantenham em silêncio diante de grosseiras violações dos direitos humanos perpetradas pela Vale.
DW África: Como é que analisam o anúncio da Vale de abandonar a mina de Moatize sem ter resolvida a questão das indemnizações dos reassentados e outros afetados pelo projeto?
João Nhampossa (JN): Não faz sentido que a base esteja a vender a mina de Moatize e a base de Nacala sem resolver esta questão e ela própria nem faz referência a esta questão das comunidades. A Vale está muito à vontade com a situação precária violação de direitos humanos das comunidades e isso não podemos aceitar num país que se pretende de Estado de Direito.
DW África: E nesse caso, tendo em conta que a Vale está a sair de Tete, de Moçambique, não se corre o risco de a próxima empresa que já comprou as ações não cumprir com a justificação de que este era dossier dos outros?
JN: Vamos monitorar de perto a venda. Sabemos que ainda não está concluído, pelo menos aquilo que foi público. Então, a Ordem vai nos termos da lei garantir uma monitoria no sentido de proteger ou salvaguardar o direito das comunidades no processo desta venda. Aliás, a Ordem tem pedido bastante as instituições de Justiça para que não fiquem a aparecer uma invenção da ordem. O que nós temos dito é que podemos em conjunto fazer uma visita de trabalho de campo ao local para confirmar o estado em que vive a comunidade, qual é a real situação de vida daquelas comunidades para perceber se a ordem está a inventar ou não à questão de violação de direitos humanos.
DW África: E a vossa solicitação tem tido alguma resposta rápida das autoridades?
JN: Ainda não tivemos resposta a isso. Nós já pedimos até uma visita judicial para lá, mas o que acontece é que a nossa Justiça até agora, apesar de termos algumas decisões com desfecho favorável, os outros processos que são mais complexos mais graves, não tem desfecho. E muitas vezes a nossa jurisdição administrativa procura de alguma forma trazer elementos meramente formais para não dizer, para não conhecer o fundo da causa, não discutirmos a essência da causa.
DW África: E nesse caso como é que analisa que, perante uma série de reclamações feitas pelas comunidades, as autoridades judiciárias nacionais não tenham mexido uma palha contra a Vale?
JN: É uma questão que muito preocupa a Ordem que agora está a envidar esforços no sentido de sentar diretamente com as instituições de Justiça envolvidas no caso, sobretudo com a Procuradoria, para tratar de uma forma aberta e profunda esta questão, porque um dos pontos que muito preocupa e assusta a Ordem é que há evidências e prova bastantes de que a Vale não cumpriu o plano de reassentamento. E não tendo cumprido com o planeamento, a própria lei estabelece que quem não cumpre com o plano deve pagar uma multa correspondente a 10% do valor do empreendimento pelo incumprimento do plano de reassentamento.
DW África: E neste caso vocês acreditam que a Vale vai pagar esses cerca de 1 bilião de meticais?
JN: Se a lei for aplicada e a justiça for célere e justa, nós entendemos que a Vale vai pagar alguma compensação a essas comunidades por tamanho sofrimento e pela violação dos seus direitos, porque não faz sentido que as pequenas empresas e o cidadão pacato quando violam a lei é sancionado e para a mesma situação de violação a lei quando se trata de uma multinacional ela não é sancionada e é feita vista grossa.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.