Sociedade civil acusa Governo em Maputo de perseguir organizações sem fins lucrativos. Debate em Bona, na Alemanha, abordou a "recomendação 8" do GAFI contra o financiamento do terrorismo que está a prejudicar as ONG.
Paula Monjane, diretora do Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC)Foto: privat
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De visita à Alemanha, a diretora do Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), Paula Monjane, destacou que a revisão da recomendação 8 do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) surge justamente quando Moçambique faz a sua avaliação de risco, o que a seu ver é uma oportunidade para melhorar o processo moçambicano.
Monjane cita desvios em Moçambique, afirmando que "fica claro para a sociedade civil e para o Governo" que o país estava "a ir por um mau caminho".
"Felizmente, encontrámos-nos e estamos a ir agora para um bom caminho", considera. "E deve ser vontade do Governo que as práticas ilegais que têm estado a acontecer ao nível das províncias e distritos, de exigência de relatórios, de justificativos de pedidos, de perseguir as instituições sem nenhum mandato e nem base legal, penso que devem parar".
Várias organizações operam no Norte de Moçambique no âmbito da crise de deslocados decorrente dos ataques armados na regiãoFoto: Estácio Valói
"Risco e consequência: O futuro da recomendação 8 do GAFI para a integridade financeira e para a sociedade civil" foi o tema de um fórum que decorreu em Bona em finais de setembro. O GAFI é um órgão global que fiscaliza a lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Moçambique esteve representado no debate pelo Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil.
O que diz a recomendação 8 do GAFI?
A recomendação 8 do GAFI exige que as leis e regulamentos que regem as organizações sem fins lucrativos sejam revistos para que estas organizações não possam ser utilizadas de forma abusiva para o financiamento do terrorismo. A insurgência em Cabo Delgado motiva o rigor do Governo em relação à sociedade civil. No entanto, Paula Monjane adverte que o terrorismo não pode ser desculpa para justificar medidas repressivas.
"As organizações que trabalham na área dos direitos humanos, advocacia e combate à corrupção são vistas como inimigas do Governo do dia. E nesse sentido esta norma do GAFI foi vista como um catalisador para que o Governo tentasse fechar o espaço cívico. Mas penso que Moçambique deve racionalizar e dizer como isso pode ser alterado", sugere.
Violência armada na província de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, terá aumentado a desconfiança do Governo central em relação a organizações locaisFoto: AFP/J. Nhamirre
Lista cinzenta
Desde 2022, Moçambique está na lista cinzenta do Grupo de Ação Financeira Internacional. Num esforço para limpar a sua imagem e sair dessa posição, o Governo iniciou um aprimoramento dos instrumentos legais, excluindo à partida a sociedade civil.
"Penso que muitas coisas foram corrigidas. Neste momento a nossa colaboração está a ser aceite pelo Governo e pela Assembleia da República também. Temos estado a interagir e a contribuir, acabámos de contribuir para a lei de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo", referiu.
"As nossas propostas foram acolhidas na sua maioria, mas tem sido uma batalha. Inicialmente não tínhamos sequer informação sobre essa reforma legislativa que abrangia as organizações sem fins lucrativos", admitiu.
O regresso da vida pós destruição em Cabo Delgado
Apesar da tendência de retorno das populações às zonas de origem, várias aldeias ainda continuam desertas e o cenário de destruição é visível nessas comunidades.
Foto: DW
Sensação de paz em Macomia
O distrito de Macomia já registou o regresso de grande parte da sua população que se havia evadido para outras zonas com a escalada da violência protagonizada pelos insurgentes, localmente conhecidos por "al-shababes". Na vila, atividades comerciais ganham terreno. Mas a população pede ainda a permanência do exército para lhes proteger. O desejo dos residentes é que a paz tenha vindo para ficar.
Foto: DW
Serviços públicos em Mocímboa da Praia
Após a recuperação do território, em agosto de 2021, as autoridades estão empenhadas no restabelecimento dos serviços públicos de modo a impulsionar o retorno da população que se refugiou em comunidades de Cabo Delgado. O Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos comprometeu-se em alocar escritórios moveis ao governo de Mocímboa da Praia para fazer face à escassez de infraestruturas.
Foto: DW
Local do massacre de Xitaxi
A 7 de abril de 2021, na aldeia de Xitaxi, no distrito de Muidumbe, os terroristas terão morto a sangue frio um grupo de 53 jovens num campo de futebol (ao fundo da imagem). Aparentemente, a causa da chacina foi a recusa desses jovens, que haviam sido raptados localmente e em aldeias já atacadas, em juntar-se ao movimento rebelde que devasta Cabo Delgado desde o ano de 2017.
Foto: DW
Forças Armadas na estrada
A estrada N380 liga o distrito de Ancuabe a Mocímboa da Praia. A via permaneceu intransitável com a escalada da violência terrorista em aldeias atravessadas pela rodovia. Com as ações terroristas enfraquecidas, a N380 voltou a ser transitável, embora de forma tímida. Veículos militares patrulham constantemente, para garantir que nenhuma situação de alteração da ordem venha a verificar-se.
Foto: DW
Destroços visíveis
Sucatas de veículos destruídos denunciam a quem por aqui passa, cenários de violência vividos na estrada principal que liga sul, centro e norte da província.
Foto: DW
Bens abandonados
Terroristas bloquearam durante um ano o acesso aos distritos no norte, com destaque para Mueda e Mocímboa da Praia, com o assalto ao posto de controlo policial no cruzamento de Awasse. Após o seu desalojamento pela força conjunta Moçambique-Ruanda, os terroristas abandonaram alguns dos seus bens, em caves que serviam de esconderijos.
Foto: DW
Ruínas
Casas abandonadas e em ruínas e zonas residenciais tomadas pelo capim são o retrato que se repete em diversas aldeias ao longo das estradas N380 e R698. Denunciam também a crueldade dos terroristas.