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Moçambique: Pandemia aumenta risco de casamentos prematuros

28 de agosto de 2020

Com o estado de emergência, as raparigas estão a ser pressionadas para se casarem antes dos 18 anos, a idade mínima estabelecida por lei. A pobreza e a pressão familiar prejudicam o futuro destas crianças e jovens.

Marcha em Inhambane para consciencializar sobre os casamentos prematurosFoto: DW/L. da Conceição

Em Moçambique, o encerramento das escolas devido à pandemia de Covid-19 está a acentuar a vulnerabilidade das raparigas. Meninas entrevistadas pela organização Plan International nas províncias de Nampula, Inhambane e Sofala dizem que estão a ser pressionadas para se casarem antes dos 18 anos, a idade mínima estabelecida por lei.

Carla Mendonça, especialista da área de proteção da criança do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em Moçambique, expressa preocupação com os retrocessos na defesa do futuro das raparigas.

"Por um lado, elas têm a pressão de tentar ajudar na renda familiar. Por outro, sofrem uma pressão social muito grande para que não sejam mais um encargo, um peso dentro da família”, explica. 

Jovens mães moçambicanasFoto: Romeu da Silva

"Para além disso, com o facto de não estarem ocupadas com os estudos e verem frustrados os seus sonhos, podem colocar-se numa situação de mais exposição ao risco de casamentos prematuros", acrescenta a especialista da UNICEF.

Conceição Osório, coordenadora de pesquisa da organização Mulher e Lei na África Austral (WLSA), diz que o aumento da pobreza está a agravar a violência baseada no género.

"A questão é que as meninas estão confinadas nas casas e, portanto, há mais pobreza - quem alimenta as casas são 88% das pessoas que trabalham no setor informal e, destas, 70% são mulheres. Com todas essas medidas restritivas, a comida não é posta na mesa. É natural que haja [mais casamentos prematuros], porque, havendo mais fome, vai haver esta tendência de homens com mais posses oferecerem [dinheiro] às famílias para obter as meninas", disse em entrevista à DW África.

Radicalização

Moçambique é um dos dez países do mundo com a maior prevalência de uniões prematuras. A prática é uma tradição sociocultural de décadas, sobretudo no norte do país. Conceição Osório explica que, além da pandemia, a insurgência na província de Cabo Delgado também a prejudicar as raparigas.  

"Há uma radicalização muito grande em que as mulheres são as principais vítimas. Querem implementar a sharia, por exemplo. É focar um pouco nisto: Como a religião legitima e naturaliza o casamento prematuro", sublinha a investigadora.

Maira Domingos, diretora de programas do Fórum Mulher, em Moçambique, diz que o relatório da Plan International é limitado a poucas regiões do país e não reflete um quadro geral sobre um eventual aumento de casamentos prematuros durante a pandemia.

"A realidade de mulheres e raparigas já é bastante desigual. As mulheres vivenciam no seu quotidiano situações de restrição de liberdade e da sua autonomia decorrente dessa construção sociocultural. E isto não mudou devido à pandemia", diz. "A vulnerabilidade das mulheres sempre estará presente e sempre será agudizada numa situação de crise, como esta que é uma crise sanitária."

Com o aumento da pobreza, raparigas sofrem pressão das famílias para se casarem mais cedoFoto: DW/R.da Silva

Lei é pouco implementada

A lei que proíbe o casamento de menores de 18 anos foi aprovada há pouco mais de um ano. Mas, segundo Conceição Osório, ainda não está a surtir os efeitos desejados. Nas zonas avaliadas pela Plan International, apenas 30% das raparigas e 17% dos rapazes conhecem a Lei de Prevençāo e Combate às Uniões Prematuras. 

"A lei vai desincentivar um pouco, mas é muito difícil ter um efeito de curto prazo, porque socialmente é considerado normal o casamento depois dos ritos de iniciação. Mesmo quando os líderes tradicionais divulgam a lei, não é com uma grande convicção. Práticas culturais não vão acabar só porque administrativamente se decreta uma penalização que nem sequer é muito grande [de até 12 anos]", afirma.

Carla Mendonça, da UNICEF, considera a lei de difícil implementação neste período de pandemia, já que as atenções das instituições estão no controlo da propagação do novo coronavírus.

"Vemos com muita preocupação o facto de os esforços que estão a ser feitos até aqui poderem estar a ser comprometidos, não digo de forma irreversível, mas severa, porque vai atrasar as metas de cumprimento dos nossos objetivos", sublinha,

A UNICEF e outras organizações estão a disponibilizar serviços de atendimento remoto para fazer cumprir a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras. As linhas Fala Criança (116) e a Linha Verde (1458) estão disponíveis para que a população possa reportar situações de abuso contra a mulher.

Crítica social em versos

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