Manuel Chang perdeu o estatuto de deputado e é agora um cidadão comum, afirma especialista em direito internacional Andre Thomashausen. Por isso, pedido de extradição feito por Moçambique devia ser formalmente alterado.
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Em finais de julho de 2019, o Parlamento moçambicano anunciou a renúncia e perda de imunidade de Manuel Chang, na qualidade de deputado do partido no poder, a FRELIMO. Essa decisão teria impacto no processo judicial em que o também ex-ministro das Finanças está envolvido, o das dívidas ocultas no seu país.
Só que até hoje a retirada da imunidade não está devidamente esclarecida. Mas o criminalista Elísio de Sousa insiste:"A PGR foi clara em explicar que não foi uma retirada absoluta da imunidade, foi relativa. A doutrina brasileira aborda isso com muita suficiência, mas na parte fiscal, em que se pode recorrer a uma figura que é imunidade atenuado ou relaxada, mais ou menos isso. Não se retira toda a imunidade uma vez que ele ainda não está presente. mas se pode retirar a imunidade parcialmente para eventual cumprimento de um mandato para depois ser apresentado a Assembleia para que depois esta possa lhe retirar o mandato, pesno que foi esta a figura jurídica usada."
Pedido de extradição de Chang devia ser formalmente alterado
Entretanto, enquanto o ex-ministro aguarda detido na África do Sul pela decisão sobre a sua extradição para Moçambique ou para os Estados Unidos da América, um novo Parlamento foi eleito no seu país. E Manuel Chang não é mais deputado da atual legislatura, o que tornaria a retirada parcial ou total da imunidade irrelevante. O que significaria isso agora para o processo contra Chang em Moçambique?
"Uma vez que já não conserva essa qualidade, está a parecer-me que não há condições dele ser julgado com essas prorrogativas de deputado", esclarece o jurista. "Quando a lei prevê essas prorrogativas da imunidade e processuais tem que ver apenas com a parte substantiva, que tem a ver com o próprio crime. Mas se é com uma questão relativa ao estatuto, aí já não tem esse benefício. Com a nova legislatura ele não pode ter qualquer direito, vai ser julgado como um réu comum e aí nem sequer os mandatos de captura devem ser emitidos porque qualquer tribunal superior", acrescenta.
Já não há motivos para não extraditar Chang
Agora, o advogado de Manuel Chang, Samuel Modiba, insiste que já não há mais motivos para a África do Sul não extraditar o ex-ministro para Moçambique, porque a principal razão desapareceu. Qual é a relevância do argumento de Modiba? "É possível que o ministro [da Justiça da África do Sul] venha a considerar essa inovação que, de facto, é verdade, já que existe uma nova assembleia e que o senhor Chang já não faz parte dela. Então, essa questão da imunidade já não existe", responde Andre Thomashausen, especialista em direito internacional.
Decisão sobre extradição de Chang "não surpreendeu"
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A imunidade foi um dos grandes argumentos utilizados pela Justiça sul-africana para invalidar o pedido de extradição de Moçambique, lembra Thomashausen. "A Justiça aqui considerou o pedido de extradição de uma pessoa que não pode ser arguido por lei porque tem imunidade, então esse pedido de imunidade não tem base, não é genuíno", sublinha.
O especialista entende que "formalmente Moçambique deveria apresentar uma alteração do pedido de extradição, argumentando exatamente isso, que Manuel Chang é um cidadão como outro qualquer."
PGR admite impacto negativo para SADC
A Procuradoria-Geral da República (PGR) admitiu recentemente que a decisão de Moçambique de retirar os recursos tenha impacto negativo para a SADC em matéria de extradição quando existem pedidos concorrentes, no caso dos EUA.
Thomashausen questiona a interpretação da PGR e explica os procedimentos nestas situações: "Acho que é um mal entendido da PGR de Moçambique, que não tem muita experiência em matéria de direito internacional. Os acordos internacionais são como contratos e quando há uma possível contradição entre dois contratos, o que prevalece é o contrato anterior e não posterior. O contrato de extradição dos EUA é antecedente, foi assiando muito antes do acordo da SADC e este não pode inviazabilizar um acordo assinado entre a África do Sul e os EUA."
O argumento que fundamentou o pedido de extradição por parte de Moçambique, em janeiro de 2019, foi a lei da SADC que permite a extradição e posterior julgamento do ex-ministro no seu país. A lei só proibe a extradição dos que têm imunidade absoluta, o que foi retirado parcialmente a Chang em meados de 2019 e que agora perdeu completamente.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)