Moçambique: Pena máxima para o caso Marcelino Vilanculo
Leonel Matias (Maputo)
26 de janeiro de 2018
24 anos de prisão para Amade Mbunda e pagamento de uma indemnização de 28 milhões de meticais é a sentença do Tribunal. É acusado de ter morto o magistrado Marcelino Vilanculo. E Edith Cylindo foi absolvida.
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O Tribunal Provincial de Maputo afirma ter ficado provado em sede de julgamento que o réu Amade António Mabunda, cometeu os crimes de homícidio qualificado e de uso de armas proibidas.
Segundo a sentença, lida esta sexta feira (23.01.), o próprio réu confessou ter sido o autor dos disparos à queima roupa que tiraram a vida ao magistrado na noite do dia 11 de abril de 2016. A vítima foi alvejada mortalmente a tiro à porta de casa, quando regressava de mais uma jornada de trabalho.
Na altura, o magistrado tinha em mãos processos relacionados com a onda de raptos que se fazia sentir no país, com maior incidência na capital Maputo.
Para o Ministério Público, o móbil do crime visava obstruir as investigações sobre raptos conduzidos por Marcelino Vilanculo. Pretender-se-ia com o assassinato do magistrado criar pânico no seio da classe do judiciário e provocar uma libertação em massa de reclusos.
Edith Cylindo absolvida
Já a ré Edith Cylindo foi considerada inocente e absolvida por insuficência de provas. A decisão foi tomada pelo colectivo de juízes constituído por três membros, com um voto vencido que considerou, no entanto, haver prova material suficiente para culpabilizar a ré.
A ré Edith Cylindo era indiciada de ter fornecido fotos sobre a residência do magistrado e no dia do crime ter seguido a vítima enquanto passava informações sobre o seu itinerário ao grupo criminoso. O colectivo de juízes concluiu não haver provas destas acusações, e sublinhou que o Tribunal não deve deliberar com base em presunções.
Durante o julgamento, a ré denunciou ter sido coagida mediante ameaça a aceitar o seu envolvimento no caso num interrogatório na Unidade de Intervenção Rápida, uma polícia especializada moçambicana.
Disse ainda que durante as investigações chegaram a ser retiradas do processo algumas cópias com depoimentos que a inocentavam de participação no crime.
Uma das presumíveis peças-chave do assassinato do procurador, citado em vários depoimentos como o mandante do crime é José Ali Coutinho, que, no entanto, já se encontra morto.
Sentença considerada justa
Moçambique: Pena máxima para assassino do magistrado Marcelino Vilanculo
Comentando a sentença de 24 anos de prisão maior aplicada a Amade Mabunda, o juiz da causa Samuel Pedro Artur, considerou-a justa, legal e proporcional aos crimes que acabaram sendo provados.
Questionado pelos jornalistas se a libertação da ré não teria a ver com inconsistências verificadas na acusação, o seu advogado de defesa Ângelo Nkutumula afirmou o seguinte: "Inconsistências não sei se seria o termo mais acertado. Contudo, eu acredito que um melhor trabalho poderia ser feito no sentido de se demonstrar a culpabilidade da ré mas a nós simplesmente cabia trazer factos que de alguma forma podia demonstrar a sua inocência e afastar de todo os factos trazidos pelo Ministério Público. Esse é o trabalho que nós fizemos."
O presidente da Associação dos Magistrados do Ministério Público, Eduardo Sumana, reagiu, igualmente, a absolvição da ré. "O Tribunal decidiu neste sentido e nós respeitaremos obviamente. Iremos analisar isto com família e com o advogado do constituinte e nessa altura depois veremos qual será o posicionamento que tomaremos com relação a esta absolvição”.
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.