Um estudo do Centro de Integridade Pública (CIP) revela que Moçambique perdeu cerca de 30 milhões de euros por não cobrar impostos à Kenmare. A mineradora explora areias pesadas em Moma, na província nortenha de Nampula.
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Moçambique perdeu mais de 30 milhões de euros, entre 2011 a 2018, por causa dos benefícios fiscais dados à empresa Kenmare Moma Mining Limited (KMML). A informação consta de um estudo do CIP, que pede que seja feita a revisão do contrato com a empresa, subsidiária da irlandesa Kenmare Resources.
A autora do estudo, Inocência Mapisse, refere que esta perda revela que Moçambique tem a possibilidade de mobilizar recursos internos, através dos megaprojectos, para suprir o défice orçamental.
"Diante desta situação, o país oferece uma janela de escape e esta é a mobilização de recursos a nível interno - ao invés de se endividar ao nível externo, que é uma janela que está praticamente fechada", defende a investigadora.
Sem desenvolvimento e sem transparência
Inocência Mapisse sublinha que os grandes projetos do setor extrativo, como o projeto da Kenmare, não estão a contribuir em nada para o desenvolvimento do país.
"A contribuição destes projetos não está nem sequer perto do potencial que eles deviam trazer para o país. E isso deriva, em grande parte, dos benefícios que são concedidos inicialmente e que vêm incorporados nos documentos contratuais," avalia.
Moçambique perdeu cerca de 30 milhões de euros em impostos
A investigadora diz ainda que a empresa Kenmare Moma Mining Limited acumulou, no mesmo período, lucros estimados em mais de 300 milhões de euros, sem pagar ao fisco. Mas a empresa alega que os lucros não foram suficientes para serem tributados, segundo o CIP.
"Teve lucros e nós vimos, de acordo com os relatórios que a Kenmare publicou. Procurámos ter mais informações para saber qual seria o valor do lucro tributável e não tivemos resposta a partir da Kenmare", explica Mapisse
A mineradora tem muitos benefícios, mas segundo a investigadora Inocência Mapisse, deveria haver mais transparência. "Olhando para estes aspetos, chegamos à conclusão de que não há transparência na exploração dos recursos naturais de uma forma geral. De uma forma específica, o projeto da Kenmare goza de vários benefícios, várias nuances que, no final das contas, acabam contribuindo para que não haja o pagamento de receitas que deveriam ser pagas", conclui.
A DW África procurou mais informações para saber qual seria o valor do lucro tributável, mas não obtivemos uma resposta da mineradora Kenmare.
As riquezas minerais de Nampula
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo.
Foto: DW/Petra Aschoff
Cadeia de riquezas minerais
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo. As areias pesadas da região são parte de uma cadeia de dunas que se estendem desde o Quénia até Richards Bay, na África do Sul. Em Moma, exploram-se os bancos de areia de Namalote e as dunas de Topuito.
Foto: Petra Aschoff
Areias para diferentes indústrias
Unidade de lavagem de areias pesadas da mineradora irlandesa Kenmare, um dos chamados "megaprojetos" estrangeiros em Moçambique. A ilmenite, o zircão e o rutilo, extraídos das areias, são usados, respetivamente, na indústria de pigmentos, cerâmica e na produção de titânio. O rutilo, um óxido de titânio, é fundamental para a produção do titânio usado para a construção de aviões.
Foto: Petra Aschoff
Lucro após prejuízo
Os produtos são transportados através de um tapete rolante até um pontão no Oceano Índico. Segundo media moçambicanos, a extração de areias pesadas na mina de Topuito, em Moma, resultou num lucro de 39 milhões de dólares no primeiro semestre de 2012. No mesmo período de 2011, a empresa registou prejuízo de 14 milhões por causa da baixa dos preços devido à crise económica mundial.
Foto: Petra Aschoff
Problemas trabalhistas?
O semanário moçambicano Savana repercutiu, em outubro de 2011, a decisão do ministério do Trabalho de suspender 51 trabalhadores estrangeiros em situação ilegal na Kenmare. Segundo o Savana, na mesma altura, a Inspeção Geral do Trabalho descobriu que 120 trabalhadores indianos estavam para ser recrutados pela Kenmare. O recrutamento foi cancelado.
Foto: Petra Aschoff
Mudança de aldeia
Para poder explorar as areias pesadas em Nampula, entre 2007 e 2010 a mineradora irlandesa Kenmare transferiu as moradias de centenas de pessoas na localidade de Moma, no norte do país. A empresa prometeu acesso à água, casas melhores e postos de saúde. Na foto, nova escola primária para a população local.
Foto: Petra Aschoff
Acesso à água
Em 2011, o novo bairro de Mutittikoma, em Moma, ainda não tinha um poço d'água. Esta é transportada até o vilarejo com um camião cisterna. O acesso à água também é garantido com uma tubulação que a Kenmare instalou ali. Porém, como a mangueira só deixa correr um fio d'água, as mulheres que vêm buscá-la esperam no sol durante horas a fio para encher baldes e recipientes.
Foto: Petra Aschoff
Responsabilidade social
Uma casa construída pela Kenmare para a população desalojada por causa da exploração das areias pesadas em Moma. No início de setembro, Luísa Diogo, antiga primeira-ministra de Moçambique, disse que o país deve estar "muito atento" para que os grandes projetos de recursos naturais – como carvão e gás – beneficiem as populações. Ela também defende renegociação de contratos multinacionais.
Foto: Petra Aschoff
Em busca do brilho
Para além das areias pesadas, o solo da parte sul da província moçambicana de Nampula oferece mais riquezas. Na foto: garimpeiros à procura da pedra preciosa turmalina em Mogovolas. Os garimpeiros recebem cerca de um euro por dia para cavar buracos com vários metros de profundidade. As pedras são vendidas a um comerciante intermediário.
Foto: Petra Aschoff
Verde raro
As pedras de turmalina costumam ter várias cores. Uma das mais conhecidas é a verde. Mas existe outro verde precioso que se torna cada vez mais raro em Mogovolas: o da vegetação. Os buracos cavados pelos garimpeiros podem não ter pedras, mas permanecem após a escavação e sofrem erosão. As plantas não são plantadas novamente, apesar de a recomposição da vegetação ser prevista pela lei.