PGR abdica de recursos para acelerar extradição de Chang
Lusa | ni
10 de fevereiro de 2020
A PGR anunciou que abdicou dos recursos judiciais na África do Sul referentes à extradição do ex-ministro das Finanças Manuel Chang para tentar acelerar a decisão final.
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O ex-ministro das Finanças, Manuel Chang, é arguido numa investigação judicial de Moçambique no âmbito das dívidas ocultas do país, mas decorre na África do Sul dois pedidos de extradição em paralelo, um de Moçambique e outro dos Estados Unidos da América.
Washington já julgou um processo referente às dívidas ocultas e absolveu o principal suspeito. O empresário Jean Boustani foi absolvido dos crimes de fraude e lavagem de dinheiro no processo, por falta de jurisdição dos tribunais norte-americanos.
Ora, perante esta decisão, Moçambique acredita ter ficado demonstrado que é a jurisdição adequada para julgar Chang. Num comunicado, a PGR refere que, "face aos desafios jurisdicionais enfrentados pelos EUA no processo contra Jean Boustani que culminou com a sua absolvição, a Procuradoria-Geral da República vê reforçado o seu entendimento de estar em melhor posição para responsabilizar Manuel Chang".
Acelerar o desfecho do caso?
Assim, a PGR espera que "a retirada dos dois recursos", esta segunda-feira (10.02) anunciada, "concorra para acelerar o desfecho do caso e que os fundamentos adicionais apresentados, pelos canais apropriados, apoiem ao ministro da Justiça [sul-africano] na reanálise do pedido" de extradição.
Os Estados Unidos da América foram os primeiros a pedir a extradição de Chang, mas as autoridades sul-africanas ainda não decidiram, um ano depois de o manterem detido.
Um ministro da Justiça chegou a decidir a favor de Moçambique em detrimento dos EUA, mas o titular do cargo no novo Governo, empossado em 2019, discordou, o que levou aos recursos moçambicanos, que aguardavam decisões judiciais.
Impacto negativo para a SADC?
À margem do caso das dívidas ocultas, Moçambique admite que a decisão de retirar os pedidos de recurso tenha "impacto negativo" para a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) "em matéria de extradição, quando existam pedidos concorrentes".
"Tratando-se do primeiro caso [do género], esperava-se que a decisão sobre estes recursos fixassem jurisprudência para casos futuros", nota a PGR.
Por outro lado, Moçambique entende também que deve ser contestada a interpretação feita pela África do Sul sobre a imunidade de suspeitos no âmbito do Protocolo da SADC sobre Extradição, pelo que "submeterá as constatações sobre a matéria às autoridades competentes para os devidos efeitos" junto daquela comunidade subrregional.
O historial
Manuel Chang é acusado de ter avalizado ilegalmente dívidas ocultas do Estado moçambicano de 2,2 mil milhões de dólares contraídas em 2013 e 2014 - em forma de crédito junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
O caso foi revelado em 2016, acentuou uma crise financeira que levou Moçambique a entrar em incumprimento no pagamento aos credores internacionais (default) e ao consequente afastamento dos mercados financeiros internacionais, classificação da qual só começou a libertar-se no final de 2019, após renegociação da dívida soberana.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)