Procuradoria moçambicana pediu ao Conselho de Estado para autorizar Armando Guebuza a ser ouvido sobre caso das dívidas ocultas. Ex-Presidente já disse que aceita prestar esclarecimentos, apesar de não confiar no órgão.
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A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique pediu ao Conselho de Estado para autorizar que Armando Guebuza, membro deste órgão, seja ouvido num processo relacionado com as chamadas "dívidas ocultas", noticiou o "O País".
Ainda não é conhecida a data em que o ex-Presidente de Moçambique deverá ser ouvido e também não foi divulgada a decisão do Conselho de Estado.
Segundo o diário, o antigo chefe de Estado aceitou prestar os esclarecimentos solicitados, mas disse que está a ser vítima de uma "tentativa de assassinato político".
De acordo com o jornal, as declarações de Guebuza foram feitas durante um encontro, em formato virtual, convocado pelo Presidente da República. Filipe Nyusi chamou todos os membros do Conselho de Estado para uma reunião na quarta-feira (15.09), para apreciar o pedido da PGR.
Além de Armando Guebuza, fazem parte deste órgão nomes como Alberto Chipande, Graça Machel, Alberto Vaquina, Daviz Simango e outros titulares de órgãos de soberania.
Guebuza não confia no órgão
"Iremos prestar os esclarecimentos solicitados, sem no entanto, deixar ficar a nossa desconfiança em relação à constante e desconforme atuação da Procuradoria-Geral da República", cita o jornal.
Essa falta de confiança, justificou Guebuza, está relacionada com a forma como a PGR tem dirigido, desde 2015, as investigações e detenções sobre o caso. A PGR intenta também em Londres um processo relativo às dívidas ocultas, no qual solicita uma indemnização para compensar todas as perdas devido ao escândalo.
"No ano de 2020, tomamos conhecimentos - pela imprensa, mais uma vez - de que a Procuradoria-Geral da República cita-nos num Tribunal Comercial de Londres, num processo relacionado às dívidas ocultas, estando nós no mesmo país e cidade da digníssima Procuradora-Geral da República", escreve ainda "O País".
De acordo com o mesmo diário, pedido da Procuradoria de Moçambique para que Armando Guebuza preste esclarecimentos sobre o caso já foi feito há cerca de dois anos.
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Chamado para depor em Londres
No final de agosto foi noticiado que o Tribunal Superior de Justiça de Londres quer ouvir o ex-Presidente Armando Guebuza num processo intentado pela PGR de Moçambique relacionado com as "dívidas ocultas".
No caso foram também arrolados o seu filho Armando Ndambi Guebuza, o ex-diretor dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE) Gregório Leão, o antigo diretor de Inteligência Económica do SISE, António Carlos do Rosário, o ex-ministro das Finanças Manuel Chang e a ex-diretora nacional do Tesouro de Moçambique Isaltina Lucas. O tribunal pretende igualmente ouvir Teófilo Nhangumele e Bruno Langa, duas pessoas próximas de Armando Ndambi Guebuza.
À exceção de Armando Guebuza e de Isaltina Lucas, todas as pessoas que o Tribunal Superior de Justiça de Londres pretende ouvir estão detidas, acusadas de envolvimento no escândalo das dívidas ocultas.
Na ação, Moçambique pretende anular a dívida de 622 milhões de dólares (552,6 milhões de euros) da ProIndicus ao Credit Suisse e requer uma indemnização que cubra todas as perdas do escândalo das "dívidas ocultas". Em causa estão dívidas do Estado moçambicano de cerca de 2 mil milhões de dólares (1,8 mil milhões de euros) contraídas entre 2013 a 2014 em forma de crédito junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB em nome das empresas estatais moçambicanas ProIndicus, Ematum e MAM.
De acordo com a acusação, os empréstimos foram avalizados pelo então ministro das Finanças, Manuel Chang, mas o Governo de Moçambique afirmou que ele "não tinha autoridade" para assinar as garantias soberanas, que eram inconstitucionais e ilegais porque o Parlamento de Moçambique não aprovou os empréstimos. O financiamento destinava-se à aquisição de barcos de pesca do atum e de equipamento e serviços de segurança marítima fornecidos pelas empresas da Privinvest.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)