Moçambique: Pobreza aumenta em áreas de grande investimento
Leonel Matias (Maputo)
16 de julho de 2019
Observatório do Meio Rural aponta para aumento da pobreza no país, nomeadamente nas províncias do norte, em zonas conhecidas pelo grande investimento no setor extrativo e no agronegócio.
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O Observatório do Meio Rural afirma que, apesar do último inquérito ao orçamento das famílias ter revelado uma ligeira redução da percentagem de pobreza a nível nacional, os dados demonstram um aumento do número de pobres e das desigualdades sociais e territoriais.
O estudo apresentado pelo Observatório na conferência "Pobreza, desigualdades e modelos de desenvolvimento", em Maputo, aponta ainda para um aumento da pobreza nas províncias do norte do país em áreas conhecidas pelo grande investimento no sector extrativo ou no agronegócio e acrescenta que o investimento do capital intensivo característico da indústria extrativa teve um efeito limitado na geração de emprego.
"Existem claros indicadores que revelam que a população não vive melhor”, afirma o diretor do Observatório, João Mosca. "O que contribui para isso é a questão da ocupação de terras, a questão dos reassentamentos, geralmente para zonas longínquas, onde há menor fertilidade dos solos, zonas de menor acesso aos serviços, menos transportes, embora as coisas possam melhorar ou estejam a melhorar em alguns sítios".
João Mosca defende que o Governo tem a responsabilidade de garantir que as leis do reassentamento e da terra sejam cumpridos, e que seja priorizada a agricultura.
Por sua vez, a sociedade civil e os cidadãos devem reclamar quando os seus direitos são negativamente afetados.
Moçambique: Pobreza aumenta em áreas de grande investimento
"Cresce a população e menos população sai da pobreza”
Dados divulgados durante a conferência referentes a 2014 e 2015 indicam que a pobreza multidimensional a nível nacional era de 53%, com maior incidência nas zonas rurais, cujos níveis situavam-se em 70%, contra 17% nas áreas urbanas.
Para Vasco Nhabinde, do Ministério das Finanças, "a mensagem que fica é que precisamos de melhorar a alocação dos recursos para as dimensões que têm maior impacto na vida das pessoas. Estamos a falar da educação, da saúde, e das condições de habitação".
Por seu turno, João Mosca observou que, apesar da percentagem da população pobre ter diminuído no país, aumentou o número de pobres.
"Cresce a população e menos população sai da pobreza. O número de pobres aumenta. Além disso, há grandes diferenças entre rural e urbano entre as zonas norte , centro e sul, entre desigualdades também das pessoas e desigualdades de território", explica o diretor do Observatório do Meio Rural.
Para o estado de pobreza e a sua evolução contribuem vários fatores, sublinha João Mosca, exemplificando com a fragilização do Estado, fragilidades na sociedade civil, na cidadania, no setor empresarial, nas relações entre empresas de capital interno e externo.
O diretor do Observatório frisa que a fragilidade do Estado manifesta-se, entre outras formas, pela dificuldade em adoptar, monitorizar e fazer cumprir as leis, os mecanismos de diálogo com a sociedade, os tipos de contratos celebrados com as multinacionais, o tipo de políticas aprovadas para o combate a pobreza e para o país tirar o máximo proveito dos seus recursos .
"A fragilidade não é só do Estado. É de todo o conjunto de atores económicos e sociais. Estamos numa fase de crescimento, mas continuamos muito frágeis", concluiu.
Quando a extração de areia é a única forma de sustento da família
A extração de areia para a construção está a permitir que centenas de pessoas fintem o desemprego em Nampula, norte de Moçambique. A atividade representa riscos para o ambiente quando exercida de forma descontrolada.
Fintar o desemprego
Apesar de praticada há bastante tempo, a extração de areia para a construção civil aumentou nos últimos anos em Nampula, norte de Moçambique, devido à crise económica que levou ao encerramento de várias empresas na região. A exploração e venda de areia tornou-se um “trabalho na moda” que ignora sexo e idades. Basta força e vontade de trabalhar.
Vender areia para pagar as despesas
Chama-se Margarida Martins e é uma adolescente de 17 anos que luta pela sobrevivência. É casada e mãe de um filho e o seu esposo é moto-taxista. Margarida contribui para o pagamento das despesas familiares com o dinheiro que ganha a carregar e vender areia. Esta jovem vai de obra em obra à procura de uma oportunidade de emprego para fornecer aquela matéria-prima.
Foto: DW/S. Lutxeque
Não é um trabalho de sonho
Quito Francisco é servente de obras de construção em moradias e outras infra-estruturas. Concluiu o ensino secundário há dois anos, mas ainda não teve o primeiro trabalho formal. Ser ajudante de obras não é o seu sonho, mas ainda não teve hipótese de entrar no Instituto de Formação de Professores. ‘‘Por falta de emprego optei por esta atividade. Consigo dinheiro para ajudar a minha família’’, diz.
Foto: DW/S. Lutxeque
Areia para produção de carvão vegetal
A areia serve de matéria-prima para construções, mas também é usada na produção de carvão vegetal. Faz-se uma cova onde se coloca lenha e capim seco. Por cima, deixa-se areia e espaço - pequenos furos - para libertar o fumo. Depois de alguns dias, logo que toda a lenha tenha sido consumida pelo fogo, obtém-se o carvão natural.
Foto: DW/S. Lutxeque
Devastação de extensas áreas de floresta
A extração de areia - tal como acontece com outros recursos naturais - carece de autorização governamental. Mas em Nampula essa atividade é pouco controlada. Os garimpeiros ignoram quaisquer formas de proteção do meio ambiente e desmatam florestas à procura da matéria-prima. A extração de areia de forma descontrolada junto de zonas residenciais deixa as habitações em risco de desabamento.
Foto: DW/S. Lutxeque
Ordenado superior ao de um funcionário público
Extrair areia não é fácil. "É preciso força", segundo Eugénio que trabalha como ‘‘areeiro’’ há cinco anos. ‘‘Fico feliz com este trabalho. Não o abandonarei enquanto não tiver um emprego melhor’’, garante. O jovem conta que por cada carga de areia ganha 900 a 1200 meticais. Se tiver muito material, pode fazer 6.000, o equivalente a 100 dólares, um valor acima do salário de um funcionário público.
Foto: DW/S. Lutxeque
Mais solicitações, mais trabalho e mais dinheiro
Este local de extração e venda de areia, na zona do Ye-ye, arredores de Nampula, é um dos mais concorridos pelos camionistas devido à areia fina considerada de boa qualidade. Diariamente, estima-se que mais 50 viaturas ligeiras rumem ao local em busca de matéria-prima, porque segundo os garimpeiros “quanto maior forem as solicitações e trabalho, melhor é o rendimento’’.
Foto: DW/S. Lutxeque
Novos bairros em expansão em Nampula
Mesmo com a crise económica que abala Moçambique desde 2015, Nampula continua a crescer. Em algumas zonas arenosas muitos cidadãos preferem poupar dinheiro, abdicando dos “areeiros” e usando recursos do seu próprio pátio. É uma forma de ganhar dinheiro sem sair de casa, embora essa atividade acarrete riscos. Buracos nas imediações das habitações deixam as casas mais vulneráveis às intempéries.