Moçambique: População da Gorongosa "volta a viver"
Bernardo Jequete (Chimoio)
12 de julho de 2017
A vida das populações da Gorongosa, centro de Moçambique, volta à normalidade. Até agora as populações circulam livremente na vila de Gorongosa. Mas os habitantes aguardam pela paz efetiva e duradoura num futuro breve.
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Em Gorongosa, a maior parte das escolas reabriu. As atividades comerciais decorrem normalmente. Num passado muito recente, o cenário era outro. Gorongosa foi uma das principais regiões afetadas pela tensão político-militar envolvendo as Forças de Defesa e Segurança e homens armados da RENAMO, o maior partido da oposição em Moçambique.
Entretanto, com o fim das hostilidades, a vida das populações em Gorongosa vai regressando à normalidade.
Ndapedza Angélico Faera, um habitante da Gorongosa, mostra-se satisfeito com o aumento da segurança na região, com a trégua entre o Governo e a RENAMO: "Dantes vivíamos mal com a guerra, então sofríamos, corríamos de um lado para o outro, não tínhamos maneira de ficarmos, mas agora com a trégua, até aqui estamos a dormir nas nossas casas.”
Ndapedza saúda os esforços do Presidente da República Filipe Nyusi e do líder da RENAMO, Afonso Dlhakama, visando um entendimento e o regresso da paz ao país.E não é o único satisfeito com a trégua. O professor Carlos Alberto, que leciona debaixo de uma árvore uma turma da primeira classe com 270 alunos, mostra-se emocionado.
À DW África, conta que, num passado recente, os professores tinham muitas dificuldades em chegar às escolas: "No passado não era fácil. Nos anos de 2013, 2014, não era nada fácil e 2015 entramos e demos aulas até outubro. Saímos por causa de problemas como todo mundo sabe, e agora está mais fácil desde que houve trégua não há problemas estamos a dar aulas normalmente.”
Há quem queira Afonso Dhlakama fora da Gorongosa
A população quer um acordo definitivo entre os dois líderes, Filipe Nyusi e Afonso Dlhakama, bem como a saída do líder da RENAMO das matas para garantir uma paz efetiva e duradoura.
Uma opinião partilhada por Victor Vasco Cinturão, outro habitante daquela região da vila de Gorongosa que argumenta que "quando se diz que a guerra já acabou recolhem-se as armas que são em seguida colocadas num lugar apropriado para acreditarmos que de facto a guerra acabou. Mas até aqui ainda não acreditamos."
11.07.2017 Sit. normalizada na Gorongosa - MP3-Mono
E Cinturão questiona: "Estamos sempre tristes porque os homens da RENAMO não saem. E o próprio presidente da RENAMO porque não sai das matas? Está sempre nas montanhas, será que aqui é Maputo? Nós estamos a pedir ao Governo para fazer com que os homens da RENAMO saiam da mesma forma como estão sair as Forças de Defesa e Segurança. E ele [Afonso Dhlakama] também deve sair e ir para Maputo.”
Segundo o comandante das Forças de Defesa e Segurança na Gorongosa, algumas bases usadas pela RENAMO durante os confrontos vão passar a ser esquadras e quartéis visando garantir a ordem, segurança e tranquilidade públicas.
Há cada vez mais deslocados no centro de Moçambique
Cerca de 6.000 pessoas estão alojadas em centenas de tendas distribuídas por quatro centros de acomodação do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INCG) nos distritos de Gondola, Vanduzi, Mossurize e Báruè.
Foto: DW/B. Jequete
Fugir à guerra
Mais de mil pessoas chegaram em setembro e outubro de 2016 ao novo centro de acolhimento de Vanduzi, na província de Manica, onde se avolumam as queixas. Fogem do conflito que opõe as forças governamentais aos homens armados da RENAMO, por medo de serem atingidas pelas hostilidades. Dezenas de cidadãos ficaram sem casa na sequência de incêncios provocados por grupos rebeldes.
Foto: DW/B. Jequete
Deslocados de todas as idades
As autoridades abriram o centro de acolhimento de Vanduzi recentemente face ao número crescente de ataques armados na região. Aqui, vivem adultos, idosos, jovens e crianças que foram obrigados a abandonar a escola. Feniasse Mateus está a faltar às aulas. "Viemos para aqui com a família, estou há um mês sem estudar", lamenta.
Foto: DW/B. Jequete
Sem água potável
Em Vanduzi, onde foi acolhida, Fátima Saíde queixa-se das fracas condições, nomeadamente pela inexistência de água potável. "Estamos a sofrer por causa da água, estamos a beber água suja, cheia de capim e de bichos. Têm-nos dado cloro para pormos na água e bebermos". Segundo esta deslocada, a água é retirada de furos tradicionais e charcos.
Foto: DW/B. Jequete
Risco de doenças
A falta de água própria para consumo a somar à falta de condições de higiene preocupa estes milhares de deslocados. Fátima Saíde, teme por exemplo, a eclosão de doenças como a cólera e os surtos de diarreia aguda. Por outro lado, a seca na região agrava as dificuldades.
Foto: DW/B. Jequete
Mais de uma centena de famílias deslocadas em Vanduzi
Os deslocados do novo centro de Vanduzi, criado no início de outubro inicialmente com 125 famílias, são provenientes de Nhamatema, Punguè Sul, Chiuala, Honde, Guta, Mucombedzi, Pina, cruzamento de Macossa, Mossurize, Dombe e Chemba, zonas críticas e agora despovoadas, onde são frequentes relatos de confrontos entre as forças governamentais e o braço armado do principal partido da oposição.
Foto: DW/B. Jequete
Uma fuga pela defesa e segurança
Joaquim Abril Jeque condena o clima de terror no centro do país que, na sua opinião, é culpa dos homens armados da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana). "Achámos conveniente fugir à procura de defesa", conta este deslocado. Segundo ele, as ameaças da RENAMO são constantes. "Ameaçam-nos com armas, matam os nossos animais, levam a nossa comida, agridem as nossas mulheres", exemplifica.
Foto: DW/B. Jequete
"Toneladas" de bens de apoio a caminho
Cremildo Quembo, porta-voz do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), diz que as autoridades estão a ajudar como podem as famílias deslocadas, em Vanduzi. "De salientar que este processo de assistência às famílias é contínuo e já estão a entrar toneladas [de bens de apoio] para todos os distritos afetados", garante o responsável.
Foto: DW/B. Jequete
Falta de espaço
Devido à insuficiência de tendas, duas ou mais famílias são obrigadas a conviver na mesma barraca de seis metros quadrados. Rostos tristes e lábios rasgados denunciam a pobreza e a fome. A maioria destes deslocados dependem apenas da distribuição de alimentos do INGC, que definem no entanto como "irregular".
Foto: DW/B. Jequete
Faltar à escola
Para além do trauma e do medo constante, a escalada do conflito interno em Moçambique terá outras consequências no futuro das crianças do centro do país. Chinaira José é uma de várias centenas de estudantes que ao serem obrigados a sair da sua zona de residência têm de faltar às aulas, pondo em risco a sua formação escolar.