A população de Inhambane protestou esta quinta-feira (20.05) contra a multinacional Sasol por falta de oportunidades de emprego para os cidadãos locais. Governo reconhece problema e diz estar a trabalhar numa solução.
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O braço de ferro entre a população dos distritos de Inhassoro e Govuro, em Inhambane, e a multinacional sul-africana de exploração de gás Sasol dura desde 2019. Os populares queixam-se da falta de responsabilidade social da empresa, que não lhes oferece oportunidades de trabalho na unidade.
Esta quinta-feira (20.05) os populares saíram à rua para reivindicar o direito a um posto de trabalho na empresa. Fanuel Jornal Baquete, presidente da associação dos naturais e amigos de Inhassoro, entidade que encabeça o movimento de reivindicações, disse à DW África que desde o início do projeto, a Sasol tem vindo a contratar pessoas de outras regiões, excluindo os nativos.
"Só procuram pessoas de Maputo, porque a empresa que fazia contratação girava muito à volta da corrupção", começou por dizer. "Cobravam dinheiro para meter as pessoas e os donos de Inhassoro não tinham acesso [ao trabalho]", denuncia.
"Voltaremos a manifestar-nos até que eles cumpram com tudo", acrescentou.
Pagar para trabalhar
Verónica Viagem, residente de Inhassoro, admitiu à DW África que lhe foi pedido dinheiro por uma vaga na Sasol. Mas como não tinha o valor exigido, perdeu a oportunidade de trabalhar naquela firma. "Cobravam cinco mil meticais (cerca de 60 euros) para poder ter uma vaga. Onde é vou encontrar este valor para pagar por uma vaga? Não é justo", considera.
Para Armando Jorge de Sousa, habitante em Inhassoro, a empresa não tem interesse em contribuir para a melhoria das condições de vida da população. "Estamos há vinte anos debaixo de uma exploração. A Sasol está a pilhar os nossos recursos", defende.
"Os hospitais estão degradados, não estão equipados e não têm serviço de pequena cirurgia. Além disso, a maior parte das infraestruturas sociais estão degradadas", lamenta, imputando falta de responsabilidade social à empresa.
Adelino Chambule, outro dos residentes da região onde a Sasol está a explorar gás natural, afirma que a empresa mente à população.
"A Sasol tem capacidade para resolver este pequeno problema. Nós estamos aqui todos os dias a reclamar, mas [a empresa] negligencia [esta situação]", frisa. "Parece estar a embrulhar-nos", refere.
"Diria que a Sasol pode fechar e vir uma outra multinacional, porque mentiu muito à população de Inhassoro", reclamou ainda.
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Governo negoceia solução
As autoridades locais afirmam à DW África que já negociaram com a multinacional a instalação de mecanismos para garantir a contratação de jovens locais.
Salomão Mujoi, diretor provincial dos Recursos Minerais, em representação do Governo provincial de Inhambane, encontrou-se com os manifestantes para acalmar os ânimos, mas reconhece que há questões por resolver.
"De facto, há problemas na contratação para emprego, razão pela qual estamos à procura de solução", adiantou.
"Foi criado [esta quinta-feira] um comité de emprego integrando as partes interessadas, isto é, Governo, comunidade e a Sasol", garantiu ainda.
Moçambique: População lamenta fraco retorno da exploração mineira em Nampula
A Kenmare é uma das multinacionais que explora minérios no distrito de Larde, outrora Moma. Apesar da crise, a sua produção nunca parou. No entanto, a população queixa-se da falta de oportunidades e infraestruturas.
Foto: DW/S. Lutxeque
Mititicoma: um bairro de reassentamento
Com o início da sua atividade, a multinacional irlandesa Kenmare viu-se obrigada a reassentar milhares de famílias. Mititicoma é um dos populosos bairros de reassentamento, onde vivem mais de cinco dos cerca de 27 mil habitantes de toda a localidade de Topuito. Nos dias de hoje, cada casa destas pode custar dois milhões de meticais (cerca de 28 mil euros) mas, na altura, o preço foi inferior.
Foto: DW/S. Lutxeque
Negócios e melhoria de vida
Em Topuito, no distrito de Larde, emergem novas infraestruturas socioeconómicas. Muitos comerciantes que hoje vivem com pequenos "luxos", iniciaram a atividade com um pequeno financiamento da Kenmare que, na altura, não passava dos 200 mil meticais (cerca de 2900 euros) por cada pessoa.
Foto: DW/S. Lutxeque
À beira da falência
Amade Francisco, de 25 anos, é natural de Topuito, onde ainda vive. Encontrou no comércio uma forma de combater o desemprego. Mas, neste período de crise financeira do país, tem receio de ir à falência. "Iniciei o negócio em 2014, através de um empréstimo na Kenmare no valor de 120 mil meticais (cerca de 1745 euros). Já os reembolsei porque [antes] havia muita clientela, agora não".
Foto: DW/S. Lutxeque
Nativos excluídos
O desemprego está a afetar milhares de cidadãos de Topuito. As principais "vítimas", diz Saíde Ussene, são os jovens nativos e ele é um exemplo. Afirma que já tentou, mas sem sucesso, arranjar emprego na Kenmare, pois eles "preferem os cidadãos de Maputo aos nativos". "E nós onde vamos trabalhar se não temos dinheiro para subornar?", questiona o jovem moto-taxista.
Foto: DW/S. Lutxeque
Trocar a pesca pela agricultura
Ainda assim, continua a haver quem potencie o seu próprio emprego. Chiquinho Nampakhiriwa é um dos jovens que aguardava pela sorte de trabalhar na mineradora. Dedicava-se à pesca, mas decidiu trocar o anzol pela enxada e trabalhar na terra. Hoje fornece vegetais e legumes à Kenmare, apesar de ser em pouca quantidade. Também foi a empresa que o financiou incialmente.
Foto: DW/S. Lutxeque
Casamentos prematuros e pobreza
Fátima Ismael tem 17 anos e já é mãe. Vive no bairro de Nalokho, em Topuito e, devido à pobreza, viu-se forçada a ignorar os apelos do governo acerca dos casamentos prematuros. "Casei-me cedo porque não tinha condições [financeiras e materiais] de continuar a estudar. Mas estou feliz com o meu esposo", disse.
Foto: DW/S. Lutxeque
Falta de infraestruturas
Apesar da abundância de recursos minerais, Topuito continua, dez anos após o início da atividade deste tipo de empresas, com um rosto pacato e empobrecido. Existem muitos bairros, dentro da localidade, que têm falta de várias coisas, entre elas infraestruturas socioeconómicas. O bairro de Nalokho é exemplo disso.
Foto: DW/S. Lutxeque
Maus acessos
Entre as preocupações dos residentes do distrito de Larde está a degradação das vias de acesso e a falta da ponte sobre o rio Larde. As estradas que dão acesso à localidade de Topuito, como é visível na imagem, estão em más condições.
Foto: DW/S. Lutxeque
Kenmare minimiza problemas
Regina Macuacua é responsável da área social da Kenmare. Segundo esta responsável, a vida [da população] melhorou significativamente com a chegada da multinacional. "Hoje muitos residentes têm casas melhoradas, carros, há corrente elétrica. Continuamos a prover água e financiamos projetos", afirmou à DW, sem revelar os ganhos dos últimos dois anos.
Foto: DW/S. Lutxeque
Oscilação de preços no mercado
Sabe-se que a internacional irlandesa Kenmare, que explora e comercializa zircão, rutilo, ilmenite, entre outros produtos mineiros, conheceu alguns momentos de "pouca glória" com a oscilação dos preços no mercado internacional, desde 2009.