Por causa de uma greve, a mina de carvão da Jindal África em Tete está encerrada há cerca de três semanas. A população, que espera ser reassentada há mais de cinco anos, barricou vias que dão acesso à mina e à fábrica.
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A comunidade de Cassoca, no distrito de Marara, é composta por mais de 300 famílias e está instalada menos de 500 metros da mina aberta de carvão de coque em Chirodzi, na província central de Tete.
A população aguarda pelo reassentamento desde 2012, altura em que foi realizada uma consulta comunitária. Mas desde então não há avanços neste sentido. Por isso, decidiram bloquear as vias que dão acesso à mina de carvão da Jindal África.
O líder comunitário Juvêncio Sande Jeque está à frente do grupo que paralisou as operações e que exige a rápida transferência para o centro de reassentamento no bairro de Nhamatua, um novo centro distante da zona de exploração mineira.
Um dos motivos da paralisação é explicado por Jeque: "A população de Cassoca decidiu paralisar a mina porque, em primeiro lugar, estarmos a perder irmãos por causa de mortes, outros com diarreias outros e com doenças, mesmo que não se saiba qual é a doença. Até este ano já temos 17 vítimas mortais e um [doente] que foi operado lá na cidade é que sobreviveu."
Animais também são afetados
Além das pessoas, a poluição ambiental na região também afeta o gado, que consome ervas contaminadas, diz o líder comunitário. Sande diz ainda que há outras fontes de alimentação contaminadas, exemplificando que "os animais, como sempre, comiam em todos os lados e quando encontram água os animais consomem essa água."
A DW África apurou que estão a decorrer negociações entre a empresa, o Governo e a comunidade. As várias tentativas de contactar a Direção Provincial do Ambiente e a Jindal foram infrutíferas.
O líder líder comunitário Sande Jeque assegura que a população não vai recuar da decisão tomada, visto que já aconteceram casos idênticos. "Já tivemos muitas conversações desde 2015 e o resultado foi de que seríamos reassentados até 2017. Mas até hoje não sabemos exatamente quando", diz.
Na última sexta-feira (29.12.), uma brigada constituída por membros da Direção Provincial da Saúde e da Direção do Trabalho e do Meio Ambiente esteve no terreno para tentar negociar a retomada das atividades na mina.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.