Moçambique precisa de mais ajuda para combater a crise
Lusa | ms
26 de janeiro de 2021
De acordo com as perspetivas de crescimento divulgadas pela ONU, dívida pública de Moçambique continuará acima de 100% do PIB este ano. Por isso, será necessário mais apoio externo para ajudar a aliviar o fardo da crise.
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Moçambique precisa de mais ajuda internacional para aliviar a crise no país, diz a analista do Departamento das Nações Unidas para Assuntos Económicos e Sociais (UNDESA) que segue as economias lusófonas, a propósito da divulgação do relatório da organização sobre a Situação Económica e Perspetivas Mundiais, que alerta que os impactos da pandemia de Covid-19 serão duradouros.
Em entrevista à Lusa, Helena Afonso alertou que "a situação da dívida pública continuará acima de 100% do PIB este ano" e defendeu que "será necessário mais apoio externo, através de doações ou empréstimos concessionais para ajudar a aliviar o fardo da crise" em Moçambique provocada pela pandemia de Covid-19.
"Moçambique enfrenta condições económicas bastante complicadas devido a fragilidades internas e à pandemia, e mesmo antes já estava sob uma certa turbulência devido ao crescimento económico moderado, investimento fraco e efeitos da crise da dívida de 2016", lembra.
Novos investimentos
O crescimento para este ano deverá ficar nos 2,3%, que se segue a uma recessão de 1,3% no ano passado, estimam os analistas da ONU. "Esta melhoria da atividade económica será suportada por uma retoma no setor agrícola e aumento da produção de carvão, com o aumento da procura energética mundial, sendo que no ano que vem o crescimento deverá acelerar com a vinda de novos investimentos", afirmou Helena Afonso.
Artesãos de Pemba criam alternativas para escapar à crise
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O défice orçamental deverá "aumentar substancialmente a curto prazo devido ao aumento dos gastos contra a pandemia, como as isenções fiscais temporárias direcionadas para apoiar as famílias e a subida da despesa com a saúde", acrescentou.
A degradação do desequilíbrio orçamental será também acompanhada de um agravamento do rácio da dívida pública face ao Produto Interno Bruto (PIB), que o UNDESA espera que se mantenha acima dos 100%.
"A situação da dívida continuará difícil, acima de 100%, e a participação na Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) irá certamente fornecer recursos adicionais importantes", concluiu.
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Crescimento em África não chega para melhorar condições
Não só em Moçambique, mas também em Angola e em Cabo Verde "é preocupante a degradação das condições sociais e económicas, o aumento do desemprego, pobreza e desigualdades, e a instabilidade social e política que daí poderá advir", diz Helena Afonso.
No geral, "é necessária uma subida grande dos níveis de crescimento económico que compense o crescimento populacional, melhorando as condições de vida, e há uma oportunidade agora para não perder os investimentos feitos devido à pandemia, por exemplo relativos ao uso de novas tecnologias, investimento em saúde pública, formalização dos trabalhadores informais e avançar para outros investimentos também", em educação ou relativos à transição energética,"que são importantes para um desenvolvimento sustentável", concluiu a analista.
A especialista entende ainda que o crescimento económico deste ano é insuficiente para melhorar as condições de vida no continente. "Em termos de rendimento per capita [riqueza do país a dividir pelos habitantes], no ano passado registou-se uma contração de 5,8% e para este ano prevemos apenas 1% de crescimento", disse Helena Afonso.
"Para 2021 estamos a prever um crescimento ao nível da África continental de 3,4%, que se segue a uma contração de 3,4% em 2020", diz a analista, vincando que "as condições económicas melhoram este ano, mas é uma melhoria que não trará o continente para os níveis de produção que tinha no ano passado, e mesmo antes da pandemia vários países estavam a passar por dificuldades económicas e sociais."
A nível mundial, a UNDESA estima uma quebra do PIB mundial na ordem dos 4,3% em 2020 e uma recuperação para um crescimento de 4,7% este ano. África registou nas últimas 24 horas mais 641 mortes por Covid-19 para um total de 85.278 óbitos, e 19.619 novos casos de infeção.
Custo de vida aumenta em Inhambane
Em Moçambique, a crise económica afetou a vida de comerciantes e clientes, que reclamam dos altos preços. Saiba como os moçambicanos na província de Inhambane, no sul do país, sobrevivem apesar da crise.
Foto: DW/L. da Conceição
"Estamos cansados"
Os moçambicanos e, em particular, os residentes da província de Inhambane, estão ansiosos para ver o fim da crise financeira que o país atravessa, também relacionada com a desvalorização do metical, a moeda local. Manuel Santos, um vendedor de chinelos femininos nas ruas da cidade de Maxixe, conta-nos que está cansado de passar horas a trabalhar debaixo do sol, exposto a vários perigos.
Foto: DW/L. da Conceição
Buscar sustento para a família
António Macicame, residente de Inhambane, fabrica cestos de palha para conseguir algum dinheiro que o permita sustentar a sua família. São ao todo cinco pessoas. Ele diz que não tem sido fácil conseguir vender os seus cestos e por isso circula nas ruas e avenidas para conquistar os clientes.
Foto: DW/L. da Conceição
Onde estão os clientes dos supermercados?
Os clientes desapareceram das lojas e supermercados nestes últimos anos devido ao elevado custo de vida. As compras diminuíram consideralvemente e os supermercados são apenas frequentados pelas famílias quando fazem compras para cerimónias especiais. Muitos preferem comprar nas ruas.
Foto: DW/L. da Conceição
Roupas em segunda mão
Em várias partes da cidade, nos passeios e nas calçadas, há roupas em segunda mão à venda. Por causa do aumento dos preços das roupas importadas da Europa e Ásia, os habitantes de Inhambane passaram a frequentar menos as boutiques modernas, comprando mais roupas usadas. Uma peça usada pode ser vendida por menos de um euro. Já nas boutiques, o preço mínimo é de 10 euros.
Foto: DW/L. da Conceição
Menos pão na mesa
Também várias padarias estão vazias e sem clientes nos balcões. Muitas famílias têm optado por consumir produtos mais frescos e nutritivos, como a mandioca e a batata doce, substituindo o pão na mesa, por estar cada vez mais caro.
Foto: DW/L. da Conceição
Os vários preços do frango
O frango ainda é o prato preferido de muitas pessoas na província de Inhambane, mas os preços variam. O preço mínimo é de cerca de 280 meticais e nas zonas rurais chega a custar 400 meticais, ainda vivo. Preparado nos restaurantes, um prato de frango custa no mínimo 500 meticais. Jovens e senhoras viram uma oportunidade de negócio em vender frangos vivos para terceiros nas ruas e quintais.
Foto: DW/L. da Conceição
Compra-se menos
Devido à crise, compra-se menos produtos de primeira necessidade nas várias comunidades circunvizinhas às cidades. Antes, as viaturas que partiam voltavam cheias, mas atualmente poucos comerciantes vão até às cidades para fazer grandes compras.
Foto: DW/L. da Conceição
Crise na hotelaria e turismo
A hotelaria e o turismo têm sido fundamentais para o desenvolvimento. O Governo moçambicano afirma que houve melhoras nos últimos dois anos. Mas, na realidade, o cenário que se nota é de um fraco número de clientes. Há hotéis que não recebem mais de dez hóspedes no período de um mês - mesmo oferecendo preços promocionais. Por isso, acabam por demitir muitos dos seus trabalhadores.
Foto: DW/L. da Conceição
Crise nos transportes
Muitas pessoas já não viajam com regularidade. Hoje, delega-se alguém de confiança até mesmo para se receber os salários nos distritos onde não há bancos. O objetivo é poupar o dinheiro dos transportes. Os transportadores, por sua vez, dizem que as suas receitas diárias baixaram em 50%.
Foto: DW/L. da Conceição
Salões de beleza vazios
Salões de beleza tem sido caraterizados pelo fraco movimento de clientes. O aumento do custo de vida - e também dos preços de produtos de beleza - afetou a vida de muitas mulheres. Elas poupam dinheiro para comprar produtos da primeira necessidade e já não frequentam salões de beleza como antes. Para essas mulheres o dilema é: comer ou viver de beleza?
Foto: DW/L. da Conceição
"Não é tempo de cruzar os braços"
Cecília Jasse vende bolinhos e pão, juntamente com outras senhoras no mercado central na cidade de Maxixe. Enquanto o seu marido é trabalhador sazonal numa empresa, ela compra pão numa das padarias locais para revender. Acorda de madrugada para fritar bolinhos e diz que não quer ficar em casa à espera do marido. Para ela, "não é tempo de cruzar os braços".