Moçambique: Já há consensos alcançados no diálogo de paz
Leonel Matias (Maputo)
7 de fevereiro de 2018
Presidente Filipe Nyusi anunciou esta quarta-feira (07.02.) ter alcançado consensos com o líder da RENAMO para uma revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização.
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O Presidente Filipe Nyusi afirmou que os consensos alcançados com o líder da RENAMO, o maior partido da oposição, Afonso Dhlakama, sobre o projeto de lei de revisão da Constituição reafirmam com destaque "a República de Moçambique como um Estado unitário, um Estado que respeita a sua organização e funcionamento, autonomia das províncias, dos distritos e das autarquias locais.”
Os consensos alcançados prevêm que passa a constituir regra geral para a designação do Presidente da República, dos membros do Parlamento e das Assembleias provinciais, distritais e autárquicas o sufrágio universal direto, igual, secreto e pessoal.
Numa comunicação à nação, Filipe Nyusi indicou que o presidente da autarquia local passa a ser proposto pelo partido que obtiver maioria de votos nas eleições para a assembleia autárquica, de entre os membros deste órgão. Deixa de haver espaço para a realização de eleições intercalares.
Moçambique: Presidente anuncia consensos alcançados nas negociações de paz
Estas alterações sobre as autarquias entram em vigor a partir do escrutínio agendado para outubro de 2018 e sobre os distritos só serão implementadas com a realização das eleições gerais de 2024.
Governador responde a Assembleia Provincial
Uma outra alteração de vulto proposta no atual sistema eleitoral situa-se ao nível provincial. Segundo Filipe Nyusi, "a província passará a partir das eleições de 2019 a ser chefiada por um governador nomeado pelo Presidente da República sobre proposta apresentada pela coligação de partidos ou grupo de cidadãos que obtiver maioria de votos nas eleições da assembleia provincial, entre os membros desta.”
O Governador responderá diretamente a assembleia provincial. Ao nível da província será criada ainda a figura de Secretário de Estado, nomeada pelo Presidente da República, que terá a missão de assegurar a realização das funções que não são objeto do processo de descentralização.
O Presidente Filipe Nyusi explicou que não são objeto de descentralização as matérias de exclusiva responsabilidade dos órgãos de soberania e dos órgãos e instituições centrais do Estado, nomeadamente "a definição e organização do território, a defesa nacional, a segurança e a ordem pública, a fiscalização das fronteiras, a emissão da moeda, as relações diplomáticas, os recursos minerais e energia, bem como os recursos naturais situados no solo e no subsolo das águas interiores e no mar territorial e na plataforma continental e na zona exclusiva, a criação e alteração dos impostos”.
Passos sobre assuntos militares para breve
A proposta de revisão da Constituição será submetida a aprovação do Parlamento antes de ser transformada em lei. O Presidente Filipe Nyusi classificou os acordos alcançados com Afonso Dhlakama no âmbito da descentralização como um passo gigantesco no processo de busca de uma paz efetiva e definitiva e na consolidação da democracia.
Relativamente aos assuntos militares, outro ponto que está em negociações, Nyusi disse que têm vindo a ser alcançados consensos em matérias relacionadas com o desarmamento, desmobilização e reintegração dos efetivos da RENAMO.
O Chefe de Estado disse que continua a prevalecer o espírito de confiança, abertura e cooperação com o líder da RENAMO e deixou uma promessa: "Brevemente levaremos ao conhecimento dos moçambicanos os passos que se seguirão no âmbito dos assuntos militares”.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.