Moçambique processa Credit Suisse e Privinvest em Londres
Henry-Laur Allik
28 de fevereiro de 2019
Investigador do Centro de Integridade Pública (CIP) falou à DW África sobre o que levou responsáveis moçambicanos a processar o banco Credit Suisse. Para Baltazar Fael há "tentativa de devolver credibilidade à FRELIMO".
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Agências de notícias internacionais informaram nesta quinta-feira (28.02) que a Procuradoria-Geral da República em representação do Estado moçambicano interpôs um processo na capital britânica Londres contra o banco Credit Suisse, assim como a empresa de fornecimento de equipamentos militares e de pesca Privinvest Shipbuilding.
O banco Credit Suisse foi um dos principais credores de uma dívida de dois mil milhões de dólares contraída em 2013 e 2014 pelo Governo de Maputo e ocultada ao parlamento e aos doadores internacionais.
Em 2016, a revelação de que o Estado tinha dado garantias escondidas a empréstimos que ascendiam a dois mil milhões de dólares levou à suspensão de vários apoios internacionais, contribuindo para a degradação das perspetivas económicas do país.
A DW África perguntou a Baltazar Fael, investigador da organização moçambicana da sociedade civil, Centro de Integridade Pública, CIP, o que levou os responsáveis moçambicanos a processar o banco, passado este período de tempo considerável:
Moçambique processa Credit Suisse e Privinvest em Londres
Baltazar Fael (BF): A pressão que está sendo feita com o julgamento do ex-ministro das Finanças moçambicano Manuel Chang na África do Sul, e da sociedade civil de Moçambique, coloca o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) com este tipo de atitude. Se ouvirmos o discurso do porta-voz deste partido na Assembleia da República, observa-se que tudo vai no sentido de responsabilizar os implicados nestas dívidas. Apesar de ser uma ação tardia, ela tem contornos claramente políticos. De alguma maneira é uma tentativa de devolver credibilidade à FRELIMO, que está a ser associada a estas dívidas. Mas isso não deverá salvar a imagem desse partido. Exatamente pelo atraso, e porque o partido agiu simplesmente porque está a ser pressionado através de vários quadrantes.
DW África: Um destes quadrantes será a comunidade internacional?
BF: Penso que a comunidade internacional fez o seu trabalho. Neste momento, cabe aos próprios moçambicanos pressionarem as suas autoridades para que tenham maior ação no sentido de dar outros passos. Isso porque não são apenas moçambicanos envolvidos na contratação ilegal destas dívidas, mas estes bancos claramente tiveram um comportamento que não condiz com o prestígio destas entidades, a exemplo do banco Credit Suisse. Entretanto, a pressão está a vir de todos os lados e não apenas internacionalmente. Ela também se dá por parte das organizações da sociedade civil e de outros quadrantes, inclusive, dentro do próprio partido FRELIMO. Isso, no sentido de que é preciso responsabilizar os envolvidos.
DW África: Por um lado, diz que há uma pressão interna e necessidade da FRELIMO de restabelecer também para o interior uma certa credibilidade tendo em conta eleições. Por outro lado, sabemos que recentemente a polícia obrigou elementos do CIP, que ostentavam T-shirts em que se manifestavam contra as dívidas ocultas, a despir estas camisas. Como se resolve esta contradição?
BF: Não formam membros do CIP que foram proibidos de trajar estas camisetas, mas sim cidadãos que se identificaram com a causa desta organização. Foram proibidos de exercer ações de cidadania, como as liberdades de expressão e pensamento. E, como disse, sendo um ano eleitoral, claramente o partido FRELIMO quer partir para este processo eleitoral com a sua imagem "limpa", de um partido que combate a corrupção.
DW África: Sabe-se muito pouco desta acusação, ainda. Sabe-se apenas que, aparentemente, a Procuradoria-Geral da República instaurou o processo por potenciais falhas nos acordos comerciais e logísticos. O que é que isto significa para o leigo?
BF: Nem os leigos, e nem nós, que entendemos um pouco desta matéria, podemos avançar muitos pormenores sobre o que isso significa. Tanto mais que estamos a falar de jurisdições diferentes, com maneiras diferentes de ver os mesmos factos. Penso ser preciso aguardar os desenvolvimentos futuros.
Impacto da crise na vida dos moçambicanos
Trabalhadores em Maputo relatam as dificuldades que enfrentam todos os dias, com o país mergulhado numa crise financeira. Alguns ainda conseguem pequenos lucros, enquanto outros tentam estratégias para atrair clientes.
Foto: DW/Romeu da Silva
Novos tempos, menos lucros
Ana Mabonze tem uma loja de gelados há pouco mais de sete anos e diz que os rendimentos não têm sido bons ultimamente. Por dia, lucra apenas o equivalente a cerca de dois euros. O negócio é feito na ponte cais, também conhecida por Travessia. Nestes dias, os lucros baixaram porque os automobilistas que iam de ferryboat para Katembe agora usam a nova ponte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"Boa cena"
O negócio de transferência de dinheiro por telefone conhecido por Mpesa está a alimentar muitas famílias. É o caso de Angélica Langane, que na sua banca "Boa Cena" diz ter clientes frequentemente, porque muitos estão preocupados em transferir dinheiro, seja para pagar dívidas, fazer compras ou apenas para ter a sua conta em dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
O dinheiro não aparece
Numa das ruas de Maputo também encontramos Dulce Massingue, que montou a sua banca de venda de fruta. Para ela, este negócio não está a dar lucros. Diz que o pouco que ganha apenas serve para pagar o seu transporte. Nestes dias de crise, Dulce pensa em mudar de negócio, mas tudo depende do dinheiro que não aparece.
Foto: DW/Romeu da Silva
Trabalhar para pagar o transporte?
O trabalho de Jorge Andicene é recolher garrafas plásticas para serem recicladas pelos chineses. Sem ter revelado quanto ganha por este negócio, Jorge diz que não chega a ser bom, porque o mercado está muito apertado. Os preços de vários produtos subiram, por isso também os lucros são apenas para pagar o transporte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"As pessoas comem menos na rua"
A dona desta barraca não quis ser identificada, mas confessa que por estes dias o negócio baixou bastante. Vende hambúrgueres e sandes. As pessoas agora preferem trazer as suas refeições de casa para poupar dinheiro, diz. O negócio rende-lhe por dia o equivalente a dois euros, dinheiro que também deve servir para comprar outros bens para as crianças.
Foto: DW/Romeu da Silva
Costureira também não vê lucros
O arranjo de roupas é outro negócio pouco rentável, mesmo nos tempos das "vacas gordas". É oneroso transportar todos os dias esta máquina, por isso Maria de Fátima decidiu ficar num dos armazéns na cidade de Maputo, pagando um determinado valor. São poucos os clientes que a procuram para arranjar as suas roupas.
Foto: DW/Romeu da Silva
Negócio já foi mais próspero
Um dos negócios que tinha tendência de prosperar na capital era a venda de acessórios de telefones. Mas como há muitas pessoas que fazem este negócio, a procura agora é menor e o lucro baixou muito. O que salva um pouco estes empreendedores é o facto de cada dia haver novos tipos de telefones.
Foto: DW/Romeu da Silva
Poder de compra reduzido
Nesta oficina trabalham jovens mecânicos especializados na reparação de radiadores. Não quiseram ser identificados, mas afirmam que durante anos este negócio lhes rendia algum dinheiro para pagar a escola. Mas com a crise que se vive agora, a situação agravou-se. São poucos os clientes que os procuram e alegam que muitos moçambicanos perderam poder de compra.
Foto: DW/Romeu da Silva
Nada de brilho
O negócio de engraxador é outro que já não está a render, segundo os profissionais. Os únicos indivíduos que os procuram são estrangeiros de origem europeia, sobretudo portugueses. Os nacionais, diz Sebastião Nhampossa, preferem fazer o serviço por conta própria em casa. Com esta crise, é normal os engraxadores serem visitados apenas por um ou dois clientes por dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
Estratégias para atrair o cliente
Quando as atividades da Inspeção Nacional das Atividades Económicas (INAE) trouxeram à tona a real situação de higiene nos restaurantes, muitos cidadãos passaram a não frequentar estes locais. Como forma de deleitar a clientela, o dono deste pequeno restaurante promove música ao vivo de cantores da velha guarda e ten uma sala de televisão para assistir a jogos de futebol.