Os residentes da província da Zambézia recusam-se a sair de suas terras para se fazer pesquisas de recursos minerais. Académicos alertam: se o Governo provincial não tomar medidas, os protestos podem acabar em violência.
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Está instalado um braço-de-ferro na região de Maquival, na província moçambicana da Zambézia, no centro do país. Centenas de populares dizem que preferem morrer a sair das suas terras para que se façam trabalhos de prospecção para extrair areias pesadas.
Alberto Tomé Jafar é o régulo comunitário da localidade de Magologodho e diz que "a população está a rejeitar mesmo". "Fui reunir com os moradores da zona de Marrabo e disseram que vale mais o Governo matar-nos para ficar a implementar os seus projetos sem incómodo, não vamos sair dessa para a outra zona por causa das machambas e coqueiros que plantaram para seus filhos e netos", garante Jafar.
"É preciso discutir o desenvolvimento"
Um dos problemas é que, até aqui, a população não tem visto benefícios, segundo Bonde Paulo, o presidente de um centro de estudos em Quelimane, que avalia o impacto das pesquisas de recursos minerais.
"Quando a gente faz uma comparação com o desenvolvimento de outras províncias do país, temos tantos recursos, temos tanto capital humano, temos um alto nível da população, somos a segunda província mais populosa, mas o nosso desenvolvimento em diversas áreas está aquém daqueles", considera Bonde Paulo, que aponta para a necessidade de "reunir empresários, magistrados, académicos para discutirmos o desenvolvimento da nossa província".
Os residentes da região de Maquival não são os únicos a protestar. Outras comunidades na província também se têm manifestado contra projetos relacionados com a extração de recursos naturais.
A pressão da população foi tanta para travar o projeto, que as autoridades locais cederam e paralisaram as atividades, de acordo com o administrador de Quelimane, Carlos Carneiro, referindo-se ao projeto ferro-portuário de Macuse. O administrador disse que não há previsão para a retoma deste projeto e explicou que "como houve muita rejeição por parte da população, paralisámos todas as consultas públicas, porque não estavam a dar efeito".
Moçambique: Prospecção de recursos minerais pode gerar conflitos na Zambézia
"Fator de conflito"
Mas é preciso fazer mais, segundo o docente universitário Cassimo Jamal. Ele teme que, se o Governo não tomar mais medidas e não entrar em consenso com a população, os protestos podem degenerar em violência.
"Sempre que nós registamos recursos naturais ou minerais temos também automaticamente conflitos. Se for a avaliar e verificar o mapa de África, em todos locais onde existem recursos minerais também é onde existe mais conflitos, o que leva a entender que a existência de recursos minerais em África é um dos fatores de conflitos. E nós aqui em Moçambique devemos esperar isso. Aliás, eu acredito que o conflito em Mocímboa da Praia tem uma ligação intrínseca com existência de recursos minerais na bacia de Rovuma, este é o princípio".
O régulo Tomé Alberto pede ao Governo que proteja a população. "Governo Deve nos proteger, porque se nos deixarmos as nossas Zonas de origem estamos muitíssimo prejudicado".
Oportunidade ou perigo? A extração de areia em Moçambique
A extração de areia movimenta muito dinheiro na província moçambicana da Zambézia. Ambientalistas alertam para os perigos ambientais. Mas para quem trabalha neste negócio no distrito de Nicoadala, parar seria difícil.
Foto: DW/M. Mueia
O negócio da areia em Nicoadala
Já foram devastadas extensas áreas de terra devido ao negócio da areia no distrito de Nicoadala, no centro de Moçambique. São sobretudo os jovens naturais da região que trabalham aqui.
Foto: DW/M. Mueia
Trabalho duro
Extrair areia é um trabalho duro. Os trabalhadores queixam-se frequentemente de dores na coluna e dores de cabeça, entre outras coisas. Ainda assim, o trabalho dá para "manter a vida" e sustentar a família, afirmam. Conseguem, assim, pagar a escola aos filhos, comprar-lhes roupas e adquirir bicicletas, o principal meio de transporte familiar nesta zona.
Foto: DW/M. Mueia
Longe da escola
Os jovens que trabalham aqui contam que não puderam estudar por falta de condições financeiras. A maioria não concluiu o ensino primário.
Foto: DW/M. Mueia
Areia para a região
A areia do tipo "mina" é extraída e, depois, vendida a camionistas. O número de clientes cresce durante o verão.
Foto: DW/M. Mueia
À espera do camião
Estima-se que, todos os dias, mais de 30 veículos pesados entram na região de extração de areia. A atividade rende diariamente à Associação dos Garimpeiros de Nicoadala entre 20 a 35 mil meticais (entre 280 e 490 euros). O valor é acumulado durante uma semana para posteriormente ser distribuído pelos 26 associados.
Foto: DW/M. Mueia
Contas em dia
Membros da Associação dos Garimpeiros de Nicoadala: na foto, à frente, o presidente da associação, João Mariano (direita) e o fiscal Bito Lucas (esquerda), que tem a função de passar faturas e receber o dinheiro dos camionistas.
Foto: DW/M. Mueia
Preços da areia
O valor da areia é fixo, segundo os "garimpeiros": no terreno, os camionistas compram 1.600kg de areia a 500 meticais (o equivalente a sete euros), mas o valor dispara na revenda. A mesma quantidade de areia é revendida na cidade de Quelimane a 8.000 meticais (mais de cem euros).
Foto: DW/M. Mueia
A caminho da cidade
A areia é transportada pelos camionistas até à cidade de Quelimane, na província moçambicana da Zambézia. A maioria dos imóveis na região é construída com areia de Nicoadala.
Foto: DW/M. Mueia
Blocos de cimento e areia
Para produzir blocos de construção, é preciso juntar um saco de cimento de 50kg a 80kg de areia. Aos poucos, coloca-se água e vai-se misturando com uma pá durante 30 minutos. A massa final é posta em pequenas máquinas manuais para moldar o bloco.
Foto: DW/M. Mueia
Cenário desolador
Para trás, fica um cenário desolador. Estes são os efeitos secundários da extração de areia. Áreas que eram mais elevadas estão agora assim, com pequenas lagoas e vastas planícies. Já foram retiradas dezenas de toneladas de areia para construir edifícios em Quelimane, incluindo edifícios de instituições públicas, no próprio distrito de Nicoadala.
Foto: DW/M. Mueia
Terrenos impróprios
Zonas anteriormente exploradas pelos "garimpeiros" não servem para a prática de agricultura nem para a pastagem de gado. Isso por serem consideradas áreas de difícil acesso em época de chuvas, com solos bastantes arenosos.
Foto: DW/M. Mueia
Para camionistas, parar não é solução
Os camionistas dizem estar conscientes do perigo ambiental, mas sublinham que não têm outra alternativa. Sem este negócio, muitas famílias passariam mal e "deixaria de haver a construção de habitações convencionais", frisa o camionista Carlos Manuel, que diz que quem mais lucra com o negócio são os proprietários das viaturas.