Arbitrariedades e abusos nas instituições de Moçambique
Leonel Matias (Maputo)
25 de outubro de 2017
Os Ministérios do Interior e dos Recursos Minerais e Energia, o governo da província de Inhambane e os conselhos municipais de Maputo e da Matola estão entre os que desobedeceram ao comando legal.
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No Parlamento de Moçambique, o Provedor da Justiça, José Abudo, denunciou nesta quarta-feira (25.10.) que algumas instituições não respondem às petições dos cidadãos e não respeitam os princípios éticos e legais, que determinam o funcionamento da administração pública. Por seu turno, a oposição parlamentar defendeu a aprovação de uma resolução que obrigue o cumprimento das recomendações do Provedor de Justiça, uma vez que elas visam repor a legalidade e a justiça.
Em seu informe anual à Assembleia da República, José Abudo queixou-se que, das 27 recomendações dirigidas a diversas entidades, apenas oito foram acatadas; outras quatro não e 15 ainda aguardam resposta. Entre as entidades que não acataram as recomendações constam o Presidente do Tribunal Administrativo e a Presidente do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, que é igualmente a Procuradora-Geral da República.
As queixas apresentadas estão relacionadas, entre outros casos, com a morosidade na resposta ao expediente, falta de cumprimento de decisão judicial, recusa de recepção de requerimento, pagamento de dívida, impugnação de despedimento, emissão de título do direito de uso e aproveitamento de terra.
Processos reduzidos
Relatório da procuradoria
O Gabinete do Provedor recebeu um total de 61 cidadãos dando conhecimento de factos ou expondo situações. Alguns dos quais traduziram-se em petições e queixas. Durante este período, o número de processos abertos reduziu em 29%, mas reduziu também em 44% o número de processos findos.O Provedor da Justiça também efectuou visitas de inspeção a estabelecimentos penitenciários. Nessas vistorias, ele constatou problemas relacionados com a degradação das infraestruturas, as condições de habitabilidade, a falta de alimentação, a superlotação prisional, a prisão preventiva com prazo expirado, entre outros.
Abudo entende que para solucionar a superlotação das cadeias, impõe-se, a curto prazo, a implementação em larga escala de medidas alternativas à prisão.
Quanto à prisão preventiva com prazo expirado, ele defende que os órgãos de gestão e disciplina dos magistrados e as respetivas inspeções devem empenhar-se na deteção e punição de condutas que se traduzem em denegação de justiça.
Desprezando a lei
Em termos de legalidade, o informe aponta que alguns dos Tribunais e Procuradorias, para além da conformação com os atrasos processuais, posicionam-se com manifesto desinteresse em prestar informações que os particulares lhes solicitam, para além do principio da inobservância de colaboração com o Provedor de Justiça.
"Nada mais nos resta para acreditar que um número considerável de titulares dos órgãos dos poderes públicos sente-se confortado com arbitrariedades, abusos, ilegalidades e injustiças, posicionando-se, dessa forma, em confronto com o princípio de atuar em obediência à lei e ao direito."
Apoio político
Para o deputado Armando Artur, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), quem duvidar que Moçambique está refém do crime organizado, deve ler o relatório e encontrará os nomes, as pastas que ocupam e as circunstâncias em que atropelaram impunemente a lei. "Essas pessoas continuam a exercer tranquilamente os seus cargos, numa clara alusão de que, se o próprio Governo, no seu todo, pode violar a lei orçamental como violou, quem não pode?", disse Artur.
O deputado José Manteigas, da RENAMO, propôs a aprovação de uma resolução que obrigue o cumprimento das recomendações do Provedor da Justiça, pois "trata-se da reposição da legalidade e da justiça".
A bancada da FRELIMO apreciou positivamente o informe. Lucia Mafuiane encorajou, no entanto, o Provedor da Justiça a continuar a emitir recomendações aos órgãos competentes, com vista à correção dos atos ou omissões ilegais ou injustos dos poderes públicos.
A sessão parlamentar dedicada à apresentação e debate do informe anual do Provedor da Justiça, agendada para dois dias, decorreu apenas na manhã desta quarta-feira (25.10.), alegadamente porque os deputados esgotaram as questões a colocar durante a plenária.
O Provedor de Justiça acusou ainda o Sistema Central de Gestão de Arquivos de Estado de não disponibilizar uma lista dos pedidos de informação endereçados à instituição, em cumprimento da Lei do Direito de Acesso à Informação.
Obras sobrefaturadas transformam Vilanculos em cidade-fantasma
Falta de transparência, obras inacabadas e a preços exorbitantes. Corrupção generalizada no Conselho Municipal de Vilanculos, em Inhambane, gera construções inacabadas, que não podem aproveitadas pela população.
Foto: DW/L. da Conceicao
O triplo do preço real
No Conselho Municipal de Vilanculos, na província moçambicana de Inhambane, os preços das obras estão a ser adulterados para beneficiar funcionários que recebem comissões ilegais de empreiteiros depois da adjudicação. Três balneários públicos ainda em construção custaram meio milhão de meticais aos cofres públicos, três vezes acima do preço normal.
Foto: DW/Luciano da Conceição
Construções desnecessárias
O Conselho Municipal de Vilanculos construiu um alpendre com mais de 50
bancas. O investimento foi de 1,5 milhões de meticais, mas, há dois anos, quase ninguém ocupa esta infraestrutura. Os vendedores negam-se a ocupar as
bancas alegando que "não querem servir de fatura de alguém". A obra
não corresponde ao preço real segundo empreiteiros ouvidos pela DW África.
Foto: DW/Luciano da Conceição
Obras continuam
As construções continuam em Vilanculos sem que ninguém ocupe as bancas. No mercado central, está a ser construído um novo mercado de peixes financiado pelo programa PROPESCA. O valor é de 9,6 milhões de meticais, quatro vezes acima do preço normal. A obra tem um prazo de 240 dias para ser executada e está a cargo da empresa Vilcon, cujo dono é investigado por fuga ao fisco.
Foto: DW/Luciano da Conceição
Areia vermelha nas ruas principais
Muitas ruas na vila turística de Vilanculos não têm pavimento, mas o Conselho Municipal gasta mais com a colocação de área vermelha do que com paves. Os munícipes reclamam da degradação dos seus automóveis e questionam: "Por que gastar dinheiro com areia enquanto pode-se colocar paves ou saibro com o mesmo valor?". A colocação da areia vermelha facilita o esquema de corrupção no município.
Foto: DW/Luciano da Conceição
Ruas em péssimo estado
Todos os anos, a Assembleia Municipal aprova o orçamento para a reabilitação desta rua do Mercado Novo. A via, no entanto, continua esburacada. O dinheiro sempre é dividido em comissões e resta pouco para a execução. A empreiteira selecionada é, há dois anos, a única empresa contratada para o efeito e não é sediada em Vilanculos, gerando o descontentamento de empresários locais.
Foto: DW/L. da Conceicao
Arrendamento caro
O sistema de corrupção no Conselho Municipal de Vilanculos tem foco na construção de novas bancas para facilitar a divisão do dinheiro entre os empreiteiros e os funcionários do órgão. É o caso concreto destas 12 bancas que foram construídas há dois anos no bairro 19 de Outubro, mas ninguém quer arrendar. Segundo os vendedores, o arrendamento está muito caro e não há rede elétrica.
Foto: DW/L. da Conceicao
Uma residência que custa milhões
As obras superfaturadas em Vilanculos também envolvem o governo da província de Inhambane. Este projeto prevê um investimento de quase 83 milhões de meticais para a construção de uma residência protocolar. Entretanto, falta transparência. A obra tem duração prevista de cinco anos, mas não se sabe quando começou.
Foto: DW/L. da Conceicao
Cadê o dinheiro?
O conselho empresarial de Vilanculos reclamou recentemente a reabilitação da Rua da Marginal para servir como cartão de visita aos turistas. Entretanto, anualmente tem se colocado areia vermelha para diminuir buracos de modo a permitir a circulação de viaturas, mas a rua continua em estado crítico. Os munícipes sempre questionam: Para onde vai o dinheiro da reabilitação desta via importante?
Foto: DW/L. da Conceicao
Corrupção de barba branca
A corrupção em Vilanculos vem desde há muito tempo. Em 2012, uma obra da reabilitação de uma avenida com quase três quilómetros custou quase 44 milhões de meticais aos cofres do município. A obra esteve a cargo da empresa chinesa Sinohydro e o financiamento veio do fundo de estrada. Até hoje, ninguém sabe
como tanto dinheiro foi gasto nesta obra.
Foto: DW/L. da Conceicao
Funcionários detidos por corrupção
Cerca de dez funcionários do Conselho Municipal de Vilanculos foram indiciados pelos crimes de corrupção e adjudicação de obras acima do preço normal. Dois foram detidos no ano passado por vender terrenos na zona da costa. Mangais foram destruídos para dar lugar à construção de um hotel residencial. Um flagrante desrespeito à lei ambiental.
Foto: DW/L. da Conceicao
Mangal vendido para dar lugar a hotéis
Boa parte da terra na costa foi adquirida por um empresário sul-africano que destruiu o mangal para construir condomínios. Alguns funcionários do Conselho Municipal de Vilanculos ainda estão sendo ouvidos no gabinete de combate à corrupção. A lei ambiental moçambicana proíbe a destruição de mangais e prevê punições.