Estatutariamente o secretário geral da RENAMO seria a pessoa ideal para substituir Dhlakama, diz Silvestre Baessa. Este especialista aponta vantagens de Manuel Bissopo, entre elas a sua experiência de guerrilha.
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Afonso Dhlakama é uma figura emblemática e com grande capital político para muitos moçambicanos. Haverá alguém na RENAMO que tenha capital parecido para o substituir? Caso não haja, quem teria potencial e condições para liderar o partido? Estas são algumas questões que a DW África colocou ao especialista moçambicano em boa governação, Silvestre Baessa.
DW África: Quem poderá substituir Afonso Dhlakama na liderança do maior partido da oposição em Moçambique?
Silvestre Baessa (SB): É extremamente difícil porque era uma figura muito forte. Se tivermos a mesma discussão em relação à FRELIMO podemos identificar duas ou três pessoas com capacidade para substituir o Presidente da República ou alinhados para tal. No caso da RENAMO creio que depois daquele movimento de famílias de figuras históricas dentro do partido, como Raúl Domingos e vários outros que foram abandonando o barco ao longo dos tempos fica difícil identificar facilmente. Naturalmente estatutariamente o secretário-geral [da RENAMO] é a pessoa ideal para fazer a substituição, penso que é o deputado Manuel Bissopo. Mas também já se falava do chefe da bancada [Ivone Soares]. Creio que Bissopo, tendo em conta as condições atuais, essa RENAMO armada e a RENAMO política, penso que é a pessoa mais apropriada devido a sua experiência de guerrilha, o facto de muito recentemente ter estado com o presidente da RENAMO naquela emboscada [contra Afonso Dhlakama], etc, creio que é uma figura que do ponto de vista da RENAMO militar pode encontrar alguma legitimidade e mesmo em relação à RENAMO política. Importa saber também se é legítima aos olhos dos outros atores que apoiam as bases da RENAMO, mas também se é um interlucutor mais apropriado para dar continuidade ao processo negocial.
DW África: Com a morte de Afonso Dhlakama, a RENAMO vai fragilizada para os processos eleitorais que estão à porta?
SB: Creio que não, não vai ser automático. Há sempre um efeito Dhlakama muito grande em todas as vitórias da RENAMO. Muito recentemente em Nampula [aquando das eleições autárquicas], mesmo sem estar presente, a comunicação que ele fez foi determinante para a mobilização. Estamos a falar de um ídolo, de uma referência para as comunidades, sobretudo para as que têm essa perceção de exclusão, de empobrecimento resultante de exclusão no acesso aos recursos, que é a maior parte da população nas zonas centro e norte, têm níveis de pobreza muito elevados, Dhlakama era uma espécie de Messias, a quem seguiam. Então, naturalmente que vai ser um elemento que vai afetar, mas não creio que de forma significativa pelo menos em relação às próximas eleições. Agora, dependendo que como a substituição de Afonso Dhlakama ocorrer, isso vai determinar também o tipo de reações, seja dos seus apoiantes ou não. Se tivermos uma situação de uma RENAMO que descarrila logo a seguir, que se divide em alas, etc, naturalmente que isso poderá ter implicações grandes. Mas creio que há maturidade suficiente na RENAMO para se aguentar mais alguns meses num exercício de gestão e explorar este fator. A imagem do líder da RENAMO não será facilmente diluída em quatro ou cinco meses, creio que ele vai continuara ter uma importância muito grande. Se a RENAMO conseguir capitalizar isso em relação à estas eleições autárquicas previstas para este ano, então possivelmente eles consigam também manter uma base de apoio significativa nas próximas eleições.
Manuel Bissopo na liderança da RENAMO?
DW África: A imagem de Afonso Dhlakama pode ser uma grande cartada eleitoral nas próximas eleições?
SB: Sem dúvidas. Naturalmente que vivo seria melhor para a RENAMO, mas mesmo assim vai continuar a desempenhar um papel fundamental nas vitórias da RENAMO, sobretudo as que eventualmente possam ocorrer num período de um a dois anos. Não estou a ver como se pode apagar rapidamente do xadrez político uma figura da dimensão do presidente Dhlakama.
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.