Aumentam as críticas sobre a qualidade das obras públicas em Moçambique, depois da passagem da tempestade Ana que danificou infraestruturas no norte e no centro do país. A RENAMO pede a demissão do ministro da tutela.
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A passagem da tempestade Ana pelas província do norte e centro de Moçambique provou a danificação de muitas infraestruturas públicas e privadas, com o destaque para a destruição das pontes sobre o Rio Rovubwe e Licungo nas províncias de Tete e Zambézia, respetivamente. Muitos críticos questionam a qualidade das obras públicas.
A ponte sobre o Rio Rovubwe, por exemplo, passou por obras de reabilitação de 2019 à 2020, depois de ter sofrido pelas cheias do ciclone Idai em 2019. A reabilitação custou aos cofres do Estado de cerca de 3,2 milhões de euros. Passado quase um ano, a ponte não resistiu à fúria das águas.
Em março de 2020, Jeremias Mazoio, representante da Administração Nacional de Estradas (ANE), disse em entrevista à DW África que as obras de reabilitação da ponte, estavam projetadas para garantir a resiliência da infraestrutura aos fenómenos naturais. "O que significa que, caso voltemos a ter correntes de água da mesma magnitude, elas não vão danificar a infraestrutura", assegurou na altura.
Que valores foram gastos na ponte?
Mas nesta quinta-feira (27.01), o ministro moçambicano das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, João Machatine, veio à público dizer que afinal "a única intervenção estrutural que foi feita na ponte, foi a reparação dos elementos de apoio que foram danificados [nas cheias de 2019]. Então não houve nenhuma intervenção estrutural sob ponto de vista de pilares, vigas e o próprio tabuleiro."
Questionado pela imprensa moçambicana sobre o valor gasto na reabilitação da obra, João Machatine justificou: "Este valor, de facto, foi para uma obra de engenharia, porque tínhamos que levantar os tabuleiros usando macacos e muita perícia para não danifica a infraestrutura já existente."
Para além da ponte sobre o Rovubwe, as cheias também cortaram a transitabilidade na ponte sobre o Rio Licungo, na província da Zambézia, inaugurada em dezembro de 2021.
A infraestrutura de cerca de 2 quilómetros, construída pela empresa chinesa CRBC, custou ao Estado moçambicano 915 milhões de meticais (cerca de 12 milhões de euros).
Ministro rebate críticas
João Machatine, que por sinal foi quem inaugurou a ponte, nega que o desabamento de uma parte mesma tenha a ver com a fraca qualidade nas obras. "Nós concebemos esta infraestrutura de uma forma híbrida. Tem a parte da ponte e dos aterros e as rampas. Os aterros serviriam de fusíveis para salvaguardar a integridade estrutural da ponte", explicou o ministro.
"Digo isso com muita satisfação, aquilo que nós concebemos para tornar esta infraestrutura resiliente correspondeu excelentemente. O que cedeu foram os aterros", acrescentou Machatine.
Sobre a ponte do Licungo, o governante moçambicano informou que o contrato de garantia da obra é de quatro anos, por isso que o empreiteiro vai nos próximos dias reparar a infraestrutura.
Mas para o caso do Revobwe, o Governo afasta qualquer responsabilização ao empreiteiro Mota-Engil. "O empreiteiro é responsabilizado para repor danos causados pela má execução e aqui estamos a falar de motivos de força maior", justifica.
O retorno à travessia sobre o Revubwe, numa primeira fase, vai ser via pontes metálicas, mas pode ainda demorar, disse o ministro da Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos.
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"Ministro devia demitir-se"
Ivone Soares, deputada dA Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), disse em entrevista à STV, parceira da DW África, que o ministro das Obras Públicas, João Machatine, deveria demitir-se porque segundo explica:
"Porque ele em termos morais é o responsável destas tragédias, porque é o ministério que ele dirige que está em frente destas obras. E era expectável que ele dissesse: sendo eu o ministro desse pelouro, demito-me porque não conseguimos fiscalizar a qualidade destas obras", argumenta a deputada do maior partido da oposição moçambicana.
Por outro lado, Ivone Soares propõe a criação de uma comissão independente para avaliar o que terá falhado nas obras.
Moçambique: Cheias em Tete deixam rasto de destruição
Pelo menos, seis pessoas morreram vítimas das inundações na província moçambicana de Tete, nos últimos dias. Dezenas de casas ficaram destruídas. Centenas de famílias procuram refúgio em centros de acolhimento.
Foto: DW/A. Zacarias
Mortes e destruição em Tete
As cheias dos últimos dias na província de Tete, centro de Moçambique, fizeram pelo menos seis mortos. Entre as vítimas mortais está um elemento do Serviço Nacional de Salvação Pública, que perdeu a vida em serviço. As enxurradas destruíram 49 casas, segundo o último balanço das autoridades.
Foto: DW/A. Zacarias
Cheias fazem milhares de desalojados
Há muitas habitações que continuam submersas. O rio Rovubué, um afluente do Zambeze, um dos maiores rios de África, transbordou na madrugada de sexta-feira. Milhares de pessoas da cidade de Tete e do distrito de Moatize ficaram desalojadas. Neste momento, os níveis de água nas zonas afetadas estão a baixar e as autoridades temem encontrar mais corpos.
Foto: DW/A. Zacarias
Famílias aguardam tendas
As cheias afetaram mais de 900 famílias. 600 foram acolhidas neste centro de acomodação, no Instituto Industrial e Comercial de Matundo, em Tete. Aqui, as dificuldades são enormes. Faltam tendas. E, enquanto as tendas não chegam, as famílias juntam os seus pertences debaixo de árvores.
Foto: DW/A. Zacarias
Falta comida
Judite Chipala é mãe de cinco crianças. Ela e os filhos procuraram refúgio no centro de acolhimento. Mas ela queixa-se da falta de comida: "Estamos a passar mal. Não estamos a comer como deve ser", afirma.
Foto: DW/A. Zacarias
Pedido de donativos
Muitos dos desalojados são crianças. As autoridades dizem estar cientes das dificuldades no centro de acolhimento, no Instituto Industrial e Comercial de Matundo, e lançaram um apelo à solidariedade para com as vítimas das enxurradas.
Foto: DW/A. Zacarias
Voluntários
No centro de acolhimento, várias voluntárias ajudam na confeção da comida e na sua distribuição. À chegada ao centro, técnicos do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades Naturais (INGC) registam os desalojados. Mas quem chega aqui quer sair o mais depressa possível.
Foto: DW/A. Zacarias
À espera de solução
"Aqui não há condições. Eu prefiro voltar a minha casa", queixa-se Sousa Mabore, um dos desalojados no centro de acomodação no Instituto Industrial e Comercial de Matundo. Já Telma Feliciano quer sair do local onde mora e pede às autoridades para lhe darem alojamento fora de zonas propensas a inundações. "Se tivermos ajuda, para nos porem num sítio seguro, não vamos voltar."
Foto: DW/A. Zacarias
Bairros afetados
Muitas das pessoas que ficaram sem casas vêm dos bairros Francisco Manyanga, Filipe Magaia, Samora Machel, Mpádue e Chingodzi, afetados pelas cheias. O Governo provincial e o INGC estão a analisar as condições de segurança no terreno.
Foto: DW/A. Zacarias
Realojamentos?
Richard Baulene, porta-voz do Governo provincial de Tete, diz que as autoridades estão a investigar os pedidos de várias famílias para serem realojadas noutros locais. "Terá que se estudar qual o tratamento a dar às pessoas que vivem nas zonas que forem declaradas propensas a inundações", diz. No terreno, as equipas do Governo continuam à procura de desaparecidos.
Foto: DW/A. Zacarias
Grandes prejuízos
Vários habitantes tentam recuperar alguns dos seus pertences. Assifa Pedro é uma mãe de 35 anos que a DW África encontrou no bairro Chingodzi, em Tete, a tentar recuperar cadeiras que perdeu com as enxurradas. Os prejuízos são muitos. "Não tem uma casa que não caiu. Toda a roupa, o congelador, foi embora… Eu estava a dormir e ouvi água. E consegui tirar as crianças."
Foto: DW/A. Zacarias
Enxurradas incomuns
Artur Chipenhu tenta recuperar as chapas da sua casa, que saíram do lugar com as chuvas. Vários habitantes dizem que não se lembram de enxurradas como estas, nesta zona. Além das casas destruídas, a ponte sobre o rio Rovubué, que separa a cidade de Tete e a vila de Moatize, também ficou danificada.
Foto: DW/A. Zacarias
Ponte interditada a veículos
Na ponte, a circulação de veículos foi interditada. Um dos tabuleiros saiu do lugar. Por enquanto, não se sabe quando os automóveis poderão voltar a circular. A alternativa é a segunda ponte sobre o rio Zambeze (Kassuende). Aqui, no rio Rovubué, os transportadores semicoletivos estão a levar os passageiros até à ponte e estes atravessam-na a pé, apanhando transporte na outra margem.
Foto: DW/A. Zacarias
Mais desalojados
Depois da cidade de Tete e do distrito de Moatize, as cheias atingiram os distritos de Doa e Mutarara. Em Doa, já há registo de mais de 1.400 famílias afetadas e 1 morte. O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades Naturais (INGC) garante estar a monitorar a situação.