Moçambique: Raptos de cidadãos lusos na agenda bilateral
João Carlos
17 de abril de 2018
Joaquim Bule assume posto de embaixador de Moçambique em Portugal. Raptos de cidadãos portugueses mantêm-se na agenda político-diplomática dos dois países.
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Continuam no segredo dos deuses as razões que levaram ao rapto de Américo Sebastião, a 29 de julho de 2016, na província de Sofala, palco recente de tensões e conflitos entre as forças da RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique) e o exército do partido no poder, FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique). De acordo com a esposa, Salomé Sebastião, as versões sobre quem terá raptado o empresário português são contraditórias, Salomé Sebastião.
"Há pessoas e fontes que apontam que tenham sido agentes fardados e há outras fontes que apontam que as pessoas que raptaram o Américo não tinham farda alguma", conta Salomé Sebastião.
Até hoje não há qualquer rasto sobre o paradeiro do empresário, que segundo a mulher "nunca fez mal a ninguém". Dava emprego a cerca de 300 trabalhadores moçambicanos.
Um caso dos 150 cidadãos portugueses raptados em 6 anos
Américo Sebastião foi levado de forma forçada e, até à presente data, Salomé diz que não foi contactada pelos raptores. Este é um dos mais de 150 casos de portugueses raptados em Moçambique nos últimos seis anos com o objetivo de obter resgate em dinheiro.
Entre 2013 e 2014, foram raptados pelo menos oito portugueses. Um assunto que marca a agenda político-diplomática do novo embaixador de Moçambique, Joaquim Casimiro Simeão Bule, que entregou as suas cartas credenciais ao Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, a 3 de abril. O chefe de Estado disse estar a acompanhar o caso com inquietação. Contactado telefonicamente e por e-mail, Joaquim Bule não reagiu ao pedido de pronunciamento sobre estes crimes.
Moçambique: Raptos de cidadãos lusos na agenda bilateral
O secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, disse à DW África que tudo está a ser feito para garantir proteção consular e apoio diplomático à família.
"Das autoridades de Moçambique ouvi uma disponibilidade política para connosco continuarem este trabalho de cooperação visando apoiar em todas as necessidades que a família venha a ter, tendo em vista determinar as causa do desaparecimento e, naturalmente, encontrar este português", garantiu José Luís Carneiro.
Portugal oferece cooperação judicial e jurídica
O secretário de Estado esteve na semana passada em Moçambique e encontrou-se com Rodrigo Sebastião, filho do empresário, na região da Beira. Encontrou-se ainda com as vice-ministras da Administração Interna, Helena Mateus Kida, e dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Manuela Lucas.
Portugal voltou a oferecer cooperação judicial e jurídica ao Governo moçambicano para ajudar na investigação do crime. Além disso, estão em marcha duas petições. Uma em Moçambique e outra em Portugal, já com mais de quatro mil assinaturas, visando levar o tema ao Parlamento português.
"Eu espero que a Assembleia da República portuguesa também possa contribuir com ações concretas, não só junto do Governo moçambicano como da sua congénere moçambicana", pede a esposa do empresário, que espera igualmente uma intervenção junto da União parlamentar da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Família apela a organizações internacionais
A família lançou também apelos e pedidos de ajuda a organismos internacionais como o Parlamento Europeu e o Comité dos Desaparecimentos Forçados ou Involuntários das Nações Unidas, assim como ao Vaticano e ao Papa Francisco.
Salomé Sebastião mostra-se sensibilizada com as diligências em curso por parte das autoridades dos dois países e acredita na capacidade de investigação da polícia e da justiça moçambicanas, que "conhecem muito bem o território". Por isso, mantém a fé e esperança que o marido vai reaparecer.
"Reitero a minha confiança no Estado moçambicano e na sua capacidade de investigar e acredito que vai localizar o Américo e vai-me devolver o Américo são e salvo", diz.
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.