Recandidatura de Presidente Nyusi é "improvável"
12 de maio de 2022Há um ano, um membro do partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), sugeriu publicamente a revisão da Constituição para viabilizar a permanência do Presidente Filipe Nyusi no poder, através de uma terceira candidatura em 2024. O tema caiu no esquecimento, mas recomeça agora a ser debatido nas redes sociais e na comunicação social.
Emílio Beula, autor de um documento da organização da sociedade civil Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) que comenta as especulações, acredita que uma terceira candidatura de Nyusi é "improvável", tanto mais que enfrentaria grande oposição dentro do próprio partido.
DW África: A sugestão de uma renovada candidatura de Filipe Nyusi à Presidência data do ano passado. Porque é que o assunto voltou agora à tona?
Emílio Beula (EB): Na altura, o assunto não teve muita repercussão. Mas este ano, à medida que nos estamos a aproximar do congresso [da FRELIMO], em setembro, o assunto tem sido destacado nas redes sociais e nos jornais. Perante estes factos, era de esperar que o Presidente da República se pronunciasse sobre o tema, para explicar se está interessado no terceiro mandato ou se vai cumprir com o que diz a Constituição, tal como prometeu em janeiro de 2020, quando tomou posse. A Constituição determina dois mandatos para o Presidente da República.
O debate está a ser levantado sobretudo por pessoas muito próximas do Presidente. Falo de assessores que têm estado permanentemente nas redes sociais a lançar este debate. Não sabemos se as pessoas falam em nome do Presidente ou por iniciativa própria.
DW África: No seu entender, o que motiva esse silêncio?
EB: É um silêncio que pode ser interpretado de várias formas. Pode ser que o Presidente queira desvalorizar o debate e não se envolver. Mas também pode querer dizer que o Presidente está envolvido. Há quem acredite que se trata de uma espécie de balão de ensaio que o Presidente coordenou. Lançam o debate na esfera pública para medir a reação das pessoas. Em função disso, tomarão uma decisão. Pode ser que o Presidente ache que ainda é cedo para reagir e aguarde para avaliar as reações fora e dentro do partido.
DW África: Que argumentos são apontados para justificar um terceiro mandato?
EB: Um dos argumentos é que o Presidente foi reeleito em 2019 com 73% dos votos, o que lhe daria o direito de concorrer de novo em 2024. Mas não faz de todo sentido. Outro argumento que é levantado tem a ver com uma série de contratempos que ocorreram durante os dois mandatos. Falo particularmente da questão das dívidas ocultas, cuja descoberta levou ao corte do apoio direto ao orçamento por parte dos doadores internacionais. Temos também o caso dos ciclones. Nos últimos oito anos, foram mais de cinco ciclones devastadores. Mas também temos o caso do extremismo violento em Cabo Delgado. Então, há quem diga que o Presidente teve esses contratempos e não teve condições para implementar o seu manifesto eleitoral. Por isso, devia obter mais um mandato. Mas não, porque teve um desempenho fraco em todos esses casos. Temos o caso da pandemia da Covid-19. O que fez o Presidente? Foi pedir 700 milhões aos doadores, que recebeu, e o dinheiro foi desviado.
Então, não é este o Presidente que merece um terceiro mandato, quando revelou ser um Presidente fraco diante desses desafios. Ele devia ter aproveitado esses desafios para revelar que temos um Presidente com ideias, com uma visão política para Moçambique. Isso não aconteceu. Esses contratempos não podem ser usados como argumento para um terceiro mandato.
DW África: Um terceiro mandato, como já referiu, implicaria uma alteração da Constituição da República, o que seria inédito após a introdução do multipartidarismo em 1990. Que implicações traria para o país, nomeadamente para a democracia e a estabilidade política?
EB: Seria um grande retrocesso. Algo que nunca aconteceu. Desde 1990 que o Presidente cumpre dois mandatos. O Presidente Joaquim Chissano cumpriu dois mandatos e saiu. O Presidente Guebuza cumpriu dois mandatos e saiu. É verdade que, nos dois casos, sempre houve especulações. Houve rumores de que quereriam um terceiro mandato. Mas isso não se concretizou. A avançar, seria mesmo o fim da democratização do país. Eu acho que o país iria entrar num ciclo de fraca estabilidade política.
DW África: Haveria apoio a um terceiro mandato de Filipe Nyusi dentro da FRELIMO?
RB: Não haveria. Haveria um pequeno apoio de pessoas muito próximas, mas ele iria enfrentar uma grande oposição, sobretudo na Associação dos Antigos Combatentes, que é a ordem social mais forte do partido. É improvável que ele consiga fazer passar essa pretensão. Pode ter pequenos apoios, sobretudo no Norte, e de Cabo Delgado, onde há algumas pessoas que ganham vantagens com esta governação. Mas a maioria não ia deixar passar. Este rumor surge num contexto em que o povo moçambicano está bastante enfraquecido com a morte do líder da RENAMO [Afonso Dhlakama], em 2018, e, depois, do líder do MDM [Daviz Simango]. A oposição, no seu conjunto, perdeu os líderes mais representativos. Quero acreditar que esse rumor também é uma espécie de querer aproveitar este espaço político.