As primeiras receitas do gás da área 4 da Bacia do Rovuma serão primeiro para as empresas e depois para o Estado. E no início baixas para Moçambique. Portanto, os benefícios para o país continuam distantes, diz o CIP.
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O Governo moçambicano e o consórcio liderado pela ENI oficializaram recentemente o início do processo de produção de gás na área 4 da Bacia do Rovuma. Prevê-se que o Estado arrecade cerca de 16 mil milhões de euros em trinta anos. Mas tudo depende de uma variável: o preço do gás. Entretanto o preço acordado entre a ENI e a BP mantém-se no segredo dos deuses. Sobre o assunto a DW África ouviu Fátima Mimbire do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique.
DW África: Restava outra alternativa ao Governo moçambicano?
Fátima Mimbire (FM): É preciso notar que o Goveno moçambicano está numa situação bastante sensível em termos negociais. A nível internacional as agências de notação colocam o país no cesto do lixo, o que significa que não tem credibilidade. E estamos a dizer que para o projeto de LNG (Gás natural Liquefeito) as empresas tiveram de ir ao mercado internacional buscar dinheiro e tiveram aceitação de quinze bancos, conforme foi mencionado pelas próprias empresas. E é óbvio que na situação em que o país está para se poder ter acesso ao financiamento para um projeto de grande envergadura como este [é difícil], hoje fala-se em oito biliões mas até o ano passado quando o Governo aprovou o plano falava-se em dez biliões. E quando a empresa no seu comunicado de imprensa, a quando do lançamento do projeto, menciona os acordos de financiamento, fica claro que se estava a dar garantia pública do Governo moçambicano de que as empresas teriam primeiro facilidades para pagar o financiamento antes de pagarem a receita para o Estado.
06.06.17. ONLINE Gás Moc. CIP - MP3-Mono
DW África: A partir de quando o país deve começar a usufruir das receitas?
FM: Uma receita que é garantida no início é dos royalties, o imposto de produção. Agora, a maior discussão há-de ser obviamente sobre o IRPC, Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, e ao nível dos dividendos da participação da ENH (Empresa Nacional de Hidrocarbonetos), sobretudo pela forma como ela vai ter acesso aos financiamentos. É preciso também que o Governo divulgue publicamente os termos em que a ENH negociou para poder ter acesso ao financiamento e também em termos de partilha do próprio gás natural. E é preciso mencionar que o Governo de Moçambique abriu mão da sua parcela do imposto do recebimento do gás natural em espécie e colocou tudo no mesmo pacote de venda. Portanto, o Estado não vai ficar com nenhuma parte, vai vender tudo e receber o dinheiro dessa venda. Mas se olharmos para a lógica de arrecadação de receitas no ciclo de vida de um projeto de gás natural, nos primeiros oito anos as receitas são muito baixas. Só depois começa a haver uma ligeira subida e aos 15 anos são significativas e mantém-se nesse nível. No caso em concreto pode ser que o período [de receitas baixas] não seja só de oito anos, pode ser mais alargado.
DW África: Falando em transparência, isso é algo que também está a faltar na publicação relativa ao preço de venda do LNG acordado entre a ENI e a BP...
FM: Claramente. O que esperamos, em princípio, é que o preço acordado seja o do mercado. Contudo é preciso salientar que para se poder fazer as projeções de receitas e ganhos para a empresa e para o próprio Estado tem de se considerar o nível de preço. E primeiro, esse nível de preço não sabemos qual é. E o segundo aspeto é: será que a ENI e a BP negociaram um acordo em que se estabelece que o preço de venda do LNG há-de ser o preço de mercado? Se assim for falta transparência. Eles devem dizer-nos publicamente qual é o preço que foi acordado, se vai ser preço de mercado ou fixo, tal como aconteceu com a SASOL, por exemplo. Se for um preço de mercado é mais transparente esse método, mas é preciso ter em conta que dependendo do contexto as previsões feitas de receitas para o Estado podem acontecer aqueles níveis que se prevêm ou não. Portanto, é preciso tornar essa informação pública. E se for preço de mercado penso que não há nada a esconder.
Pemba: degradação em tempos de boom
Apesar do crescimento económico causado pelas descobertas de gás no norte de Moçambique, os edifícios históricos de Pemba continuam degradados. Os investimentos vão à construção de novos edifícios e não à reabilitação.
Foto: DW/E. Silvestre
Casas históricas em ruínas
Apesar do crescimento económico causado pelas descobertas de gás no norte de Moçambique, os edifícios do centro histórico de Pemba continuam degradados. Os investimentos vão à construção de novos edifícios e não à reabilitação. A degradação não poupa prédios com elevado valor histórico como esta casa, que foi na era colonial e até 1979 a residência do governador da província de Cabo Delgado.
Foto: Eleutério Silvestre
Mercado central de Pemba
O mercado localiza-se na cidade baixa da cidade desde 1940. Foi uma atração turística de Pemba, que em tempos coloniais era chamada Porto Amélia. Os números e as letras na placa por cima da fachada da entrada, resistem as intempéries naturais e ainda testemunham o quanto foi importante o mercado para os colonos portugueses.
Foto: Eleutério Silvestre
Negócio parado: as bancas do mercado
Nestas bancas simples eram expostos cereais, leguminosas e outros produtos alimentares. Antes do total abandono nos anos 2000, o mercado era frequentado por cidadãos da classe média de diferentes bairros de Pemba, atraídos pelo nível de higiene que caraterizava na exposição dos produtos. Vendia-se o melhor peixe e a melhor carne da cidade de Pemba.
Foto: Eleutério Silvestre
Abandono total: o cinema de Pemba
O cinema de Pemba, localizado na periferia da cidade baixa, era o único da cidade. Até 1990, eram projetados filmes na sala: das 14 às 16 horas os filmes para menores e das 17 às 21 horas as longas metragens para maiores de 18 anos. O cinema era ponto de encontro de cidadãos de diferentes idades de Pemba. O edifício funcionou também como ginásio de 2008 a 2012.
Foto: Eleutério Silvestre
Novas construções na vizinhança
Em vez de renovar e adaptar edifícios históricos já existentes, constroem-se novos prédios em Pemba, a capital da província moçambicana de Cabo Delgado. Este projeto do anfiteatro de Pemba é fruto de uma parceria público privada, entre o Hotel Wimbe Sun e o Conselho Municipal de Pemba. Mais um exemplo de que os investimentos vão para a construção e não para a reabilitação.
Foto: DW/E. Silvestre
Construir de raiz em vez de reabilitar
Mesmo para escritórios, que facilmente poderiam ser instalados em prédios históricos renovados, a opção preferida é construir de raiz. Assim sendo, o "boom" económico causado pela descoberta de grandes quantidades de gás na Bacia do Rovuma na província de Cabo Delgado não beneficia o centro histórico da cidade de Pemba. Este edifício é destinado para albergar uma filial bancária.
Foto: DW/E. Silvestre
Antiga delegação da Cruz Vermelha
Esta casa localiza-se na principal via de acesso à cidade baixa de Pemba. Serviu em regime de arrendamento como primeira delegação da Cruz Vermelha na província. A partir deste edifício, a Cruz Vermelha desencadeou ações humanitárias durante a guerra civil de Moçambique. Em 1999, a Cruz Vermelha de Moçambique abandonou a casa e mudou para infraestruturas próprias modernas.
Foto: Eleutério Silvestre
Armazém histórico de Pemba
Este armazém na cidade baixa faz parte dos edifícios históricos abandonados. Durante a guerra civil, serviu para o armazenamento de alimentos. Foi aqui que os residentes do bairro mais antigo de Pemba, Paquitequete, compravam produtos de primeira necessidade. Teve um papel muito importante durante a emergência de fome que assolou a população de Pemba durante a guerra civil no ano de 1980.
Foto: Eleutério Silvestre
Porto de Pemba
Quando o centro histórico está em degradação, uma das zonas mais dinámicas de Pemba é o porto. Do lado direito, as antigas instalações, do lado esquerdo a zona de ampliação destinada a carga do material da exploração do gás. O cais flutuante foi construído pela empresa francesa Bolloré. A esperança é que o boom do gás ajuda a reabilitar para além do porto também os edifícios históricos de Pemba.