A primeira coisa a ser feita para garantir uma paz duradoura em Moçambique é desenhar-se um programa de reconciliação nacional, defende João Pereira. E o analista olha com otimismo para os esforços do Presidente Nyusi.
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Os últimos quatro anos de conflito armado foram a prova de que a paz em Moçambique é muito ténue. Mas o atual silêncio das armas e as negociações de paz aparentemente encaminhadas, auguram melhores dias. E sobre os eforços que são necessários para consolidação da paz a DW África entrevistou o especialista em administração pública e também membro do Movimento pela Paz e Reconciliação em Moçambique, João Pereira :
DW África:O que os moçambicanos precisam de fazer para que a paz seja duradoura e sólida?
João Pereira (JP): A primeira coisa que é preciso ser feita é desenhar um grande programa de reconciliação nacional. Acho que uma das coisas que falhou em 1992 é que não desenhamos uma arquitetura de paz e reconciliação que começasse a nível de base e que ajudasse no processo de reintegração efetiva dos homens da guerrilha da RENAMO e de outros segmentos excluídos dentro do sistema de governação do período que vai de 1975 até 1992. E depois com a entrada do Governo do Presidente Guebuza houve uma mudança muito radical por parte da estratégia adotada pelo Presidente e a FRELIMO que era mais ou menos o seguinte: por causa das vitórias eleitorais que [a FRELIMO] estava a ter partiram para um processo de exclusão e perseguição muito forte em relação aos homens da guerrilha da RENAMO. E hoje vemos que há uma nova abordagem por parte do Presidente Nyusi, que tem estado a procura desses caminhos [da paz], seguindo um pouco as pegadas do ex-Presidente Chissano com o toque próprio. E dada a uma certa humildade que está a ter permite-lhe voltar a ganhar uma certa confiança. Vamos ver como isso vai terminar.
DW África: Entretanto esta negociação de paz continua a ser monopolizada pelo Governo da FRELIMO e pela RENAMO. Este modelo continua a ser válido para um processo que diz respeito a todos os moçambicanos?
JP: Eu acho que sim. Na primeira fase é preciso chegar a um acordo e essas duas forças políticas têm de chegar a um consenso, porque elas é que têm uma grande força ao nível do xadrez político moçambicano. É verdade que muitas organizações da sociedade civil e outras forças políticas não representadas no Parlamento ou as representadas querem fazer parte do jogo. Mas a questão de fundo é: qual é o "added value", valor agregado em português, dentro de um processo de negociação que é tão complexo. Será que não vão complicar ainda mais o processo? No passado, por exemplo, mesmo com a existência de algumas outras forças ao nível dos meios urbanos na clandestinidade não estiveram envolvidas no processo. E eu acho que não vão trazer um "added value" nesse processo. Então, defendo que se esse mecanismo der resultado então todos nós saímos a ganhar, mesmo esses que reclamam dessa metodologia de negociação. E se formos ver ao nível internacional, quando você tem dois atores envolvidos no conflito eles não incluem a terceira parte no processo, porque isso pode estragar ainda mais o processo e baralhar o próprio xadrez político de uma forma que depois fica muito difícil encontrar consensos.
04.10.17. Paz Moc. Fragilidade - MP3-Mono
DW África: O João Pereira faz parte do Movimento pela Paz e Reconciliação em Moçambique, um movimento que inclui organizações da sociedade civil. De que forma esse Movimento está a dar o seu contributo nesse processo de paz com vista a uma maior consolidação?
JP: Estamos a adotar diferentes tipos de abordagens, a primeira grande abordagem é coordenar entre as organizações da sociedade civil uma estratégia de intervenção para esse processo, ao nível das instituições de pesquisa, instituições religiosas, as lideranças locais para ver como podemos criar um mecanismo de reconciliação e paz por exemplo ao nível das comunidades, principalmente aquelas muito afetadas pela guerra.
20 Anos de Paz em Moçambique: Uma viagem
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos.
Foto: Marta Barroso
A guerra presente todos os dias
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos. Joula estava grávida de oito meses quando uma mina anti-pessoal lhe arrancou um pé em 1991. Na noite anterior, a RENAMO tinha atacado a aldeia e plantado minas em redor.
Foto: Marta Barroso
De armas a enxadas... ou cadeiras
Desde 1996, o projeto "Armas em Enxadas" dá um novo destino ao material bélico que destruiu milhares de vidas durante a guerra civil. O objetivo da iniciativa, lançada pelo Conselho Cristão de Moçambique, é criar, com as armas, obras de arte com mensagens de paz. Muitas peças foram encontradas pelo país, outras foram recolhidas a privados.
Foto: Marta Barroso
Ataques inesperados
São as mesmas armas que há 20 anos eram usadas para atacar seres humanos como estes refugiados em Chamanculo, perto da capital, Maputo, em 1992. Chamanculo nunca recuperou da chegada de milhares de refugiados da guerra civil. Ainda hoje, é um bairro pobre. Foi aqui que nasceram figuras ilustres do país como Maria de Lurdes Mutola.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Ruas desertas em Maputo
A guerra, que se arrastou por 16 anos, atrasou o desenvolvimento do país. Também a vida social sofreu, até mesmo na capital. Engarrafamentos eram, durante a guerra e nos primeiros anos seguintes, algo raro como se pode ver nesta fotografia do centro de Maputo de 1992.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da guerra
Em 1990, Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo. Em 2011, ocupava o lugar 184 entre 187 Estados no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. 20 anos depois de assinada a paz, os moçambicanos continuam a viver, em média, 50 anos.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da paz
20 anos depois do Acordo Geral de Paz, ainda há muito que fazer no combate à pobreza em Moçambique. As províncias do Niassa, de Maputo, Cabo Delgado e Tete (na imagem) são, segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento, PNUD, as que têm maior incidência de pobreza no país.
Foto: Marta Barroso
Casa de Espera
Iniciativas como esta na aldeia de Vinho, no Parque Nacional da Gorongosa, província de Sofala, contribuem para diminuir a mortalidade infantil e materna. Atualmente, em Moçambique cerca de 500 mães morrem por cada 100 mil crianças nascidas vivas. Para evitar que isso aconteça na aldeia de Vinho, a Casa de Espera assiste as mulheres grávidas das redondezas na preparação dos partos.
Foto: Marta Barroso
Economia dominada por megaprojetos
A paz possibilitou megaprojetos, como o da exploração de carvão em Moatize, Tete. De futuro, a esperança é de que os rendimentos destes projetos beneficiem mais a população. Devido aos incentivos fiscais de que gozam as multinacionais ligadas a eles, o Estado moçambicano deixa de ganhar mais de 200 milhões de dólares por ano, segundo o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Foto: Marta Barroso
Carvão, a euforia de Tete
74 toneladas de carvão já estão carregadas nesta transportadora que pode levar até 400 toneladas. O carvão da província central de Tete tem vindo a atrair investidores nacionais e internacionais à procura do "El Dorado" que tem limitado a diversificação da economia nacional na segunda década de paz em Moçambique.
Foto: Marta Barroso
Cahora Bassa...
Durante a guerra civil, as linhas de transmissão de Cahora Bassa foram alvo de ataques da RENAMO. Hoje, a barragem funciona em pleno. Cahora Bassa tem uma capacidade instalada de 2.075 megawatts, a maior parte da energia é exportada para os países da região: 70% para a África do Sul e 5% para o Zimbabué. Apenas um quarto da eletricidade aqui produzida é consumida em Moçambique.
Foto: DW/M. Barroso
... um elefante branco para esta área do país?
Ainda há poucas casas em redor de Cahora Bassa com acesso regular à eletricidade. Para o economista moçambicano Carlos Castel-Branco do IESE, dever-se-iam estender as bases do desenvolvimento do país às aldeias e vilas em torno da barragem para que também aqui a vida económica se transformasse num elemento de estímulo para o investimento.
Foto: Marta Barroso
Gentes ligadas
A reabilitação das infraestruturas permite agora uma maior mobilidade e fomenta o comércio interno. A linha férrea de Sena liga a província de Tete, no interior de Moçambique, à cidade portuária da Beira. No tempo da guerra civil, foi encerrada e acabou por ser completamente destruída. Nos últimos anos, o corredor ferroviário foi reabilitado para escoar sobretudo o carvão da região de Tete.
Foto: Marta Barroso
Gentes apertadas
O comboio é um dos meios de transporte mais baratos em Moçambique. Em fevereiro de 2012, a Linha de Sena abriu a passageiros em toda a sua extensão. A reconstrução foi feita por troços e acabou por tomar muito mais tempo que o previsto, porque o consórcio indiano responsável pelas obras não cumpriu diversos prazos. Grande parte do dinheiro veio do Banco Mundial.
Foto: Marta Barroso
Há esperança em Moçambique
Idalina Melesse viajou de comboio pela primeira vez em 2012. Durante a guerra civil, os ataques impediram-na de se mover dentro do país. Desde então e até à reabertura da Linha de Sena, não tinha tido dinheiro para longas viagens. A Linha de Sena e outras infraestruturas não só unem moçambicanos, mas devolvem-lhes a liberdade de movimento e a facilidade de comunicação confiscadas pela guerra.