Autoridades moçambicanas podem estar a retardar intencionalmente o arranque das atividades da Tunamar, detida pela EMATUM e pela Frontier, de Erik Prince. Suposto interesse não declarado da empresa pode estar na origem.
Publicidade
Acredita-se que o Governo moçambicano esteja a retardar o arranque das atividades da Tunamar, empresa de pesca detida em 51% pela EMATUM e 49% pela Frontier Services Group, de Erik Prince.
Os motivos para "empatar" o funcionamento da empresa não são oficialmente conhecidos, mas sabe-se que o Governo terá exigido procedimentos considerados incomuns no setor da pesca.
O analista Calton Cadeado acredita que, na origem, estão questões de procedimento, mas "há outros elementos que, de facto, levantam sempre suspeitas - um deles é a componente de segurança, que ainda não está esclarecida, sobretudo porque o Governo moçambicano não tem ainda uma capacidade instalada para fazer a fiscalização das operações que eventualmente se podem atribuir à Tunamar."
A parceria entre as duas partes teve início em finais de 2017, e, desde então, os processos arrastam-se. Agora as autoridades exigem um concurso público para a exploração de parte do porto de Maputo, o mais importante do país, isso depois da Frontier Services Group ter submetido o projeto a solicitar a sua exploração.
Porque Moçambique está a "empatar" Erik Prince?
Erik Prince, dono da Frontier, é o "tubarão" da segurança marítima em contextos de exploração petrolífera. Tem trabalhado para o Governo dos Estados Unidos da América em projetos de grande magnitude. A sua empresa de segurança Blackwater, agora extinta, esteve envolvida na morte de 18 pessoas a quando da guerra no Iraque, quando prestava serviços para os EUA.
O preço a pagar pelo "banho maria" ou recuo
Acredita-se que, no caso de Moçambique, o seu verdadeiro interesse seja liderar a segurança marítima, principalmente na Bacia do Rovuma, onde operam as petrolíferas norte-americanas. O que o "banho maria" ou recuo do Governo poderá custar ao país?
"Em princípio vamos ter aquela pressão normal, que já nos habituamos a ver por causa da situação frágil em que o Governo está, com o processo das dívidas ocultas", acredita Calton Cadeado.
Mas o analista político alerta que "a questão da EMATUM tem de ser resolvida, as empresas têm de ser viabilizadas e a pressão vai continuar a existir. Só não sei se será por via governamental, se por via das empresas ou das duas juntas."
Ou poderá ainda ser ativada outra estratégia, supõe Cadeado: "A outra coisa neste momento é que o senhor Erik Prince, como não tem o seu interlocutor visível, que é o senhor Carlos do Rosário, pode eventualmente diminuir a pressão ou aumentar via comercial e não tanto na dimensão de segurança, porque era com a segurança que ele estava a trabalhar."
Outras cartas em cima da mesa
Mas o "banho maria" pode estar associado a outros dossiers "problemáticos" que envolvem os EUA, como o caso da extradição do ex-ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang, que opõe os EUA a Moçambique, ou a exploração do gás pelas petrolíferas norte-americanas no norte de Moçambique.
O analista recorda que "as empresas privadas de segurança têm muito interesse em ganhar os contratos para a proteção dos negócios que vão acontecer na bacia do Rovuma. São negócios bilionários, já se fala de 50 biliões de dólares. Então, a vinda de Erik Prince para aqui, por via da questão da pesca, era um pontapé de saída também para chegar à dimensão da segurança".
Cadeado supõe que, na origem de tudo, estejam "jogadas": "O Governo moçambicano pode estar a fazer determinado tipo de concessões neste momento, mesmo à volta do caso das dívidas, da extradição... [isto,] sem muitos dados ainda, estou a colocar isso como hipótese. Então, a pressão de Erik Prince não será tão adicional ao que já está a acontecer neste momento."
Secretismo contestado
Os dossiers sobre os acordos não são de domínio público, embora envolvam questões de interesse público, como por exemplo a preservação da soberania. Nem as salvaguardas securitárias, normalmente usadas como desculpa para o secretismo, minimizariam as desconfianças em relação ao assunto.
Até a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), maior partido da oposição e com assento parlamentar, está fora de "órbita".
O porta-voz José Manteigas diz que "sobre esse assunto, nós não temos muito conhecimento. Como sabe, muitas vezes os negócios são feitos à porta fechada. Então, não temos conhecimento substancial sobre essa matéria. É difícil a RENAMO posicionar-se ou fazer algum comentário sobre isso."
E o porta-voz da RENAMO exemplifica: "Há negócios que nem se quer são dados a conhecer ao Parlamento e em que, muitas vezes, viemos a descobrir que lesam o Estado moçambicano - aliás, temos o caso da dívida inconstitucional e ilegal..."
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.