Moçambique: Terroristas financiados pelo tráfico de droga
Lusa
22 de julho de 2020
A situação levou Washington a reforçar o apoio a Maputo através de parceiros internacionais. Os EUA estão "a vigiar Moçambique em particular", porque "é um dos principais pontos de entrada" da heroína do Afeganistão.
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Os EUA apontaram esta terça-feira (21.07) o tráfico de droga na costa de Moçambique como a principal fonte de financiamentos das redes terroristas.
Numa conferência de imprensa telefónica, Heather Merritt, adjunta do secretário de Estado para o Gabinete para os Narcóticos Internacionais, explicou que "há uma grande combinação entre os movimentos terroristas e tráfico de drogas" e "isso é o que se passa em Moçambique".
"Estamos muito preocupados com Moçambique" e com a "recente tomada de posições no terreno de organizações criminais", disse, referindo-se aos ataques armados no norte do país, que têm sido reivindicados pelo movimento terrorista 'jihadista' Estado Islâmico.
"A droga financia redes criminosas em que os terroristas operam", explicou Heather Merritt.
Moçambique sob observação
Deslocados em Cabo Delgado pedem apoio
02:45
Segundo a responsável, os Estados Unidos estão "a vigiar Moçambique em particular", porque "é um dos principais pontos de entrada" da heroína produzida no Afeganistão.
"No leste de áfrica estamos a trabalhar com circuitos de heroína" que usam "barcos vindos do Irão e do Paquistão", acrescentou.
Heather Merritt reconheceu que "Moçambique tem uma linha de costa extensa" e "falta de meios para vigiar". Isso "foi uma vantagem para agentes criminais".
Apoio dos EUA
Atualmente, os Estados Unidos estão a "apoiar o Governo" no combate ao terrorismo, procurando "formar civis e forças de segurança", em articulação com o Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC, na sigla inglesa) de modo a "quebrar as cadeias de ligação de tráfico internacional" às redes terroristas no terreno, acrescentou.
"O tráfico de drogas é um problema crescente em África", reconheceu, salientando que o leste do continente é permeável à descarga de estupefacientes, desde a "Tanzânia, Quénia a Moçambique", que é o "caso mais complexo" porque "existem apoios no terreno" aos traficantes.
O Departamento de Estado norte-americano está a "investir fortemente no combate ao tráfico de droga", numa estratégia que visa "proteger a soberania dos estados nacionais", mas também "proteger os interesses dos Estados Unidos e dos seus nacionais".
Para tal, a aposta é reforçar a capacitação dos meios locais, desde as polícias aos sistemas judiciais, com uma "coordenação transfronteiriça entre parceiros africanos", explicou Heather Merritt.
"Se tens oficiais corruptos é possível contrabandear bens ilícitos pelas fronteiras", disse a adjunta do secretário de Estado, justificando a opção de uma formação "completa e abrangente" de todos os elementos estatais que lidam com o fenómeno do crime transnacional.
Situação humanitária precária
No norte, na província de Cabo Delgado, a ONU, em coordenação com o Governo moçambicano, pediu no início de junho 30 milhões de euros para um Plano de Resposta Rápida a aplicar até dezembro.
A fuga da população das suas aldeias aumentou rapidamente à medida que a violência cresceu desde início do ano, refere a ONU, estimando que haja agora 250.000 pessoas que largaram tudo e procuraram refúgio seguro noutras povoações - num conflito que já matou, pelo menos, 1.000 pessoas.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".