Moçambique: Refugiados no Centro de Maratane denunciam fome
30 de junho de 2025
Criado em 2001, o Centro de Refugiados de Maratane, na província nortenha de Nampula, é o único que acolhe cidadãos estrangeiros de países em conflito armado.
Os acolhidos recebem uma cesta básica de produtos alimentares dos parceiros, em função do agregado familiar. Mas nos últimos meses o cenário mudou devido a insuficiência, demora e nalguns casos falta de apoio alimentar, segundo os refugiados.
"Estamos cheio de preocupações, por isso estamos a chamar a atenção ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)", apela Cezimusse Lenardo, burundês que vive no centro há pouco mais de cinco anos.
Outro problema tem que ver com uma suposta discriminação e proibição de uso da terra para a agricultura de subsistência, alegadamente protagonizada pelos nacionais, segundo denunciou o refugiado Ndorimo Hassed.
"Os nativos estão a nos discriminar, dizendo que nós temos que voltar para a nossa terra de origem, alegam que nós queremos arrancar as suas machambas. Por isso, essa é uma preocupação maior que pode nos trazer xenofobia, porque o Estado moçambicano não vai conseguir parar essa situação que poderá ocorrer aqui", relata Hassed.
Dificuldades na assistência alimentar
Segundo os refugiados, o Programa Mundial de Alimentação (PAM) e o ACNUR já se pronunciaram sobre o fim da missão e consequente corte no apoio alimentar. A informação não foi ainda tornada pública e uma fonte do ACNUR contactada pela DW não confirmou a saída, mas sim dificuldades na assistência.
Já o Governo diz que não tem capacidade financeira para alimentar os refugiados. O secretário de Estado de Nampula, Plácido Pereira, não confirmou o fim da missão do PMA e ACNUR, mas alertou para momentos difíceis para os abrigados.
"Este é um processo não somente para os refugiados, mas também dos deslocados [internos]. As assistências não podem ser um processo permanente, a assistência ocorre durante um período e depois as pessoas têm de produzir e auto sustentar-se, mesmo para os nossos deslocados internos a assistência tem o seu limite",lembra.
"E hoje, se formos a ver, as instituições internacionais que prestam assistência não estão só em Moçambique, mas em todo mundo e os conflitos recrudescem, não só em Moçambique como em todo mundo, e elas tem de priorizar. Provavelmente nós estejamos melhor que em várias partes do mundo.", conclui o governante.
No que diz respeito aos conflitos de terra envolvendo os refugiados e nativos, Plácido Pereira diz desconhecer o caso, mas promete inteirar-se e corrigir o problema. "Estou a saber agora, mas vamos aprofundar isso", prometeu.
"Mas o que é importante é uma boa convivência entre os refugiados vindos e os nacionais e aí nós temos o nosso papel de fazer com que não haja conflitos. Moçambique assinou as convenções e aceitou receber estes refugiados e muitos estão bem integrados, têm famílias e filhos aqui", lembra o secretário de Estado.
Falta de sustentabilidade?
O ativista social e dos direitos humanos Gamito dos Santos entende que a crise alimentar pode ser reflexo da falta de sustentabilidade de projetos que têm sido desenvolvido no centro e defende o incentivo da produção interna, nas terras abundantemente disponíveis.
"Aquele centro de refugiados já está a funcionar há mais de 10 e era suposto que os próprios refugiados tivessem a capacidade de auto sustentar-se, mas o que nós temos visto é que os projetos que vão para lá não conseguem deixar um legado para que os refugiados possam desenvolver as habilidades", afirma.
Sobre o receio da xenofobia, Gamito dos Santos não vê esse perigo. "Moçambicano nunca foi de retaliar-se e nem de adotar métodos de xenofobia. Moçambique por natureza foi social e acolhedor, tanto é que a maioria dos que vem aqui chegam pobres e voltam ricos nos seus países", lembra o ativista.
Na semana passada, pelo menos 21 refugiados burundeses, que tinham sido acolhidos em Maratane, regressaram ao país de origem a seu pedido. O centro abriga mais de 12 mil pessoas oriundas de países africanos em conflito político-militar, como República Democrática de Congo (RDC), Burundi, Ruanda, Somália e Etiópia.