Moçambique: "RENAMO deveria ter sido mais contundente"
António Cascais
22 de dezembro de 2022
Em entrevista à DW África, Alberto Ferreira, deputado da RENAMO, admite que o partido deveria ter exigido mais dos Acordos de Paz. Considera ainda que discurso de Presidente Filipe Nyusi é uma ‘manipulação’ da realidade.
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Vários militantes do principal partido da oposição em Moçambique, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), manifestaram a sua indignação com a afirmação do Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, de que há dúvidas sobre a viabilidade das eleições distritais previstas para 2024. Para muitos membros daquela fração partidária, um eventual adiamento do sufrágio seria "inconstitucional".
Ambos os assuntos foram abordados pelo Presidente da República durante o seu discurso do Estado da Nação, na terça-feira (20.12), no Parlamento em Maputo.
A DW África falou, esta quinta-feira (22.12), com o deputado Alberto Ferreira, da RENAMO, que faz parte da Comissão de Relações Internacionais da Assembleia Nacional.
DW África: Que balanço faz, como deputado do maior partido de oposição, do discurso de Filipe Nyusi sobre o Estado da Nação?
Alberto Ferreira (AF): Fazer discursos triunfalistas, manipulando inclusivamente alguns dados, não me parece que seja uma ideia boa. Seria bom que ele reconhecesse efetivamente que o nosso país está muito atrás.
DW África: Uma das críticas que a RENAMO tem vindo a lançar contra o Presidente da República está relacionadas com o adiamento das eleições dos administradores distritais, previstas no processo DDR. Pode comentar?
AF: A RENAMO confiou em como poder-se-ia fazer a descentralização e esta descentralização realizar-se-ia naturalmente com eleições dos administradores distritais, com os governadores e todo esse pessoal. O Presidente [Nyusi] disse, neste mesmo informe anual, que iria fazer uma comissão para verificar se isso é factível ou não. Mas uma coisa que é de lei, aprovada pela Assembleia da República, que representa o povo moçambicano, não pode [estar sujeita a] uma comissão [que estaria] acima do povo moçambicano. Isso significa não só uma anarquia, como também um desrespeito total pelo povo. Quando se aprova uma lei, há obrigatoriedade de que se cumpra essa lei e que se façam todos os esforços possíveis para isso.
DW África: A RENAMO elenca outros problemas como as pensões que continuam a não ser pagas aos combatentes desmobilizados.
AF: O DDR em si não está a satisfazer toda uma comunidade. Todos os militares gostariam de ter os seus problemas relacionados com a aposentadoria e integração resolvidos. Mas até agora, ninguém está a ter o prometido e a comunidade internacional prometeu dar cerca de 60 milhões para todo este processo. As pessoas são desmobilizadas simplesmente com alguns vínculos ou dando-lhes alguma madeira. Esta não é uma integração real para quem lutou pela democracia. Portanto, coloco também em dúvida os próprios acordos. O que é que beneficia a RENAMO nestes acordos? A RENAMO deveria ter sido mais contundente para ganhar algo depois de anos de sacrifício e de guerra.
DW África: Na sua perspetiva, quais são os problemas mais graves do país que o Presidente da República não abordou?
AF: Moçambique ainda está com problemas de desnutrição crónica. Está com problemas de água. Mais de 40% da população de Moçambique não tem água potável. Só 35% da população moçambicana tem luz elétrica em casa. Portanto, não pode haver um triunfalismo deste modo.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.