Moçambique: RENAMO em busca da reconciliação interna
Arcénio Sebastião (Beira)
26 de novembro de 2021
A RENAMO equaciona pagar uma pensão à família do ex-líder da autoproclamada "Junta Militar", Mariano Nhongo. Em declarações à DW África, a família agradece o gesto, mas impõe uma condição.
Publicidade
O presidente do maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Ossufo Momade, disse, na cidade da Beira, que o seu partido pondera o pagamento de uma pensão à família do antigo líder da autoproclamada "Junta Militar", Mariano Nhongo. "Nós estamos a estudar como apoiar a família de Nhongo, porque a família de Nhongo não tem nada a ver com aquilo que ele fez", disse Momade.
"Não podemos pensar que o filho ou sobrinho de Nhongo vão enveredar pelo mesmo caminho. São moçambicanos e nós, como partido RENAMO, temos que os tratar como nossos filhos", acrescentou.
Mariano Nhongo foi morto em combate a 11 de outubro numa mata de Cheringoma, na província de Sofala. A "Junta Militar" por ele liderada foi acusada de realizar ataques armados no centro de Moçambique, que levaram à morte de mais de 30 pessoas.
Apoio deve vir do Governo
Carlitos Mariano, filho do ex-líder da "Junta Militar", disse à DW África que uma pensão seria muito bem-vinda. Mariano conta que a família carece de quase tudo para se reerguer depois de se ver obrigada a abandonar a sua casa durante cerca de três anos, por temer perseguições.
No entanto, diz que seria preferível receber uma ajuda direta do Governo e não através da RENAMO, por receio de que, caso contrário, haja quem levante objeções. "Se o presidente da RENAMO nos ajudar, pode comunicar diretamente para o Governo. Nós não queremos consequências amanhã, porque outras pessoas vão interpretar mal."
O analista Nelson Moda entende que a disponibilidade manifestada pela RENAMO é um sinal claro de respeito às tradições africanas, de solidariedade com a família enlutada. Por outro lado, seria também um gesto político, de reconciliação.
Publicidade
Reparar a cisão na RENAMO
É, inclusive, uma "oportunidade que a RENAMO encontra para se poder restabelecer", diz o analista, explicando depois que a fração dentro da RENAMO protagonizada pela "Junta Militar" criou "uma cisão", com parte considerável de membros influentes da RENAMO a dissociaram-se do partido para seguir Nhongo.
"Portanto, conseguir criar uma aproximação à família de Mariano Nhongo é uma estratégia política para se reconciliar não só com a família de Mariano Nhongo, mas também com todos os desertores da RENAMO", disse Moda à DW África.
Esta sexta-feira, logo após a sua chegada ao aeroporto da Beira para uma visita de trabalho aos distritos afetados pelo conflito político-militar em Sofala, o líder da RENAMO, Ossufo Momade, deixou uma mensagem de apoio a todos os membros do partido que têm denunciado perseguições.
Combatentes exortados a entregar as armas
"Este é o comportamento do nosso adversário, perseguem os membros da RENAMO", disse Momade, acusando o partido governamental, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) de pretextar a existência da "Junta Militar" para perseguir indiscriminadamentemembros da oposição.
"Foi uma forma que a FRELIMO encontrou para ganhar terreno", disse o político, acrescentando: "Neste momento estamos a trabalhar para recuperar tudo o que a FRELIMO tentou destruir".
Questionado sobre a situação dos combatentes da "Junta Militar" que ainda se encontram nas matas de Sofala, Momade pediu que eles entreguem as armas, para que possam ser desmobilizados.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.