Em Moçambique, a RENAMO defende que o Presidente Filipe Nyusi deva dialogar com insurgentes na província de Cabo Delgado. Mas, antes de dialogar, é preciso saber quem está por trás dos ataques.
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Em Moçambique, o partido Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) defende que o Presidente da República, Filipe Nyusi, deva dialogar com os insurgentes que têm semeado terror em cinco distritos da província de Cabo Delgado. Mas, antes de dialogar, é preciso saber quem está por trás dos ataques.
A RENAMO em Cabo Delgado diz que é preciso encontrar o rosto que está por trás dos ataques em vários distritos da província, no norte de Moçambique, para conversar. Singano Assane, chefe do departamento da Administração Pública, Poder Local e Tradicional na delegação provincial da RENAMO, considera que, se o Governo continuar a gerir o dossier dos ataques como tem feito até aqui, os efeitos podem ser desastrosos.
Por isso, acredita ser preciso mudar de estratégia, pois, segundo afirma "isso não passa de uma guerra e, se é uma guerra, tem o seu líder. É esse que tem de ser perseguido, e questionado sobre o que pretende e qual é o problema, para que possa ser resolvido".
"Esforços redobrados"
A instabilidade alastra-se desde 2017 em aldeias dos distritos de Macomia, Palma, Mocímboa da Praia, Nangade, Quissanga e, recentemente, nas cercanias da Ilha do Ibo - local que tem servido de refúgio para as comunidades fustigadas pelos ataques dos insurgentes. Estima-se que tenham morrido mais de 100 pessoas, incluindo residentes, membros das forças de segurança e alegados agressores.
Recentemente, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, pediu às Forças de Defesa e Segurança para "redobrarem os esforços" no combate aos grupos armados. Até agora, cerca de 200 pessoas foram detidas, acusadas de estarem ligadas aos ataques.
Singano Assane, membro da RENAMO, defende a necessidade de se trabalhar inteligentemente com os presos. "Há pessoas nas cadeias que talvez saibam alguma coisa. Se os que estão na cadeia não conhecem sobre o assunto, então são inocentes. Se não o são, devem possuir informações importantes", explica.
Negociação pacífica
Segundo este responsável da RENAMO, a negociação pacífica é uma forma viável de acabar com qualquer conflito, independentemente das diferenças entre as partes. Para sustentar o seu argumento, Assane cita os consensos alcançados ciclicamente entre o Governo da FRELIMO e o partido do qual é membro, RENAMO, desde a assinatura do Acordo Geral de Paz, em 1992.
Moçambique: RENAMO propõe negociar com insurgentes de Cabo Delgado
"Este problema está a crescer e o povo, a quem [o Governo] chamou de seu patrão, está a sofrer", diz Singano Assane, alertando ao chefe de Estado que leve a sério a capacidade organizacional dos insurgentes e, deste modo, negocie com os mesmos o fim dos ataques.
Questionado pela DW África sobre de que forma a RENAMO poderia ajudar na resolução do fenómeno da instabilidade em Cabo Delgado, Singano Assane respondeu que "a RENAMO, como um partido político, nunca pode resolver uma questão de um outro Governo dentro do mesmo país. Se o Presidente da República precisar da ajuda, pode negociar com o nosso líder, Ossufo Momade. Os conselheiros não podem ser apenas do seu partido, há pessoas que poderiam aconselhar. O falecido Afonso Dhlakama sempre aconselhou [Armando] Guebuza", concluiu.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".