É o que revelam os atos de rebeldia em Sofala, avalia analista. É a primeira prova de fogo enfrentada por Ossufo Momade. Por outro lado, Jaime Macuane vê como natural reestruturação no partido face a uma nova liderança.
Publicidade
"Mudanças naturais” é como Jaime Macuane qualifica a reestruturação anunciada pelo maior partido da oposição em Moçambique, face à uma nova liderança. O analista político acha que ainda é cedo para se falar em renovação ou audácia no seio da RENAMO. Entretanto, considera que houve um caso de ousadia quando, em Sofala, militantes contrariaram ordens centrais e exigiram a eleição dos secretários provinciais. Para o analista, nesse ponto houve uma mudança de paradigma. Estará já a ser questionada a liderança de Ossufo Momade?
No último domingo (17.02.), o líder da RENAMO exonerou Manuel Bissopo do cargo de secretário-geral. Este quadro sénior ocupava o lugar desde 2012 e foi candidato à presidência do partido no VI Congresso, em janeiro, ao lado de Ossufo Momade, que venceu.
Até o momento, Bissopo não quis comentar a exoneração. "Ainda não fiz a entrega de pastas, gostaria de fazer a entrega e depois fazer um pronunciamento", disse.
Revanche ou processo natural?Manuel Bissopo era muito próximo de Afonso Dhlakama, falecido líder da RENAMO, e por isso dominava e participava dos dossiers mais importantes do partido, como as negociações de paz com o Governo da FRELIMO.
O seu afastamento, depois de ter concorrido à liderança do partido ao lado do já líder interino Ossufo Momade, deixa margem para especulações sobre uma revanche ou até mesmo intenção de afastamento de uma possível ameaça ao atual líder. Mas o analista político Jaime Macuane prefere apontar outros factos que legitimariam esse afastamento.
"Se olharmos para a história da RENAMO, vamos ver que os secretários gerais não duram tanto tempo assim e ele já estava lá há um tempo razoável. Acho que é um processo natural de um líder que assume [o cargo] e que naturalmente quer se rodear de pessoas que mais confia ou que estão mais alinhadas [com os seus ideais]. Agora, nada impede que possa haver outros assuntos, mas não tenho dados para especular ou ajuizar em relação a esses pontos”, afirma.
Reestruturação partidária
Moçambique: RENAMO vive mudança de paradigmas
Ossufo Momade exonerou ainda 16 militantes de cargos internos e nomeou 12, alguns dos quais para um segundo mandato nas mesmas funções, além de terem sido indicados 13 assessores políticos junto do seu gabinete.
O líder da RENAMO fala em reestruturação partidária face aos desafios eleitorais de outubro próximo: presidenciais, legislativas e provinciais. Imprimir mais dinâmica nas atividades político-partidárias de base é o que almeja Momade.
Entretanto, a cultura de exonerações e mudanças é uma marca nova no partido que está a ser introduzida pelo novo líder. É motivo para afirmar que se vislumbra uma RENAMO renovada ou audaciosa? Jaime Macuane opta por cautela em relação aos sinais.
"Acho que é muito cedo para que digamos se a RENAMO está a ser audaciosa ou não. As circunstâncias naturais determinaram a mudança da sua liderança. E o que vejo até agora, pelos elementos que tenho até agora, é o processo natural de substituição de uma liderança, o que naturalmente também significa substituir peças que faziam parte da liderança anterior. Não que possa ser só isso", analisa.
Na sequência, alguns membros boicotaram uma conferência provincial para empossamento de novos órgãos indicados pelo presidente e elegeram à revelia Sandura Vasco Ambrósio e Luís Chitato para os cargos de delegado provincial e delegado da cidade, respetivamente. Para Jaime Macuane, o facto, sim, pode ser entendido como algo para além de mudanças naturais.
"Vi mais ousadia em Sofala, por exemplo, quando parte da militância exigiu que os secretários provinciais fossem eleitos, mesmo enfrentando uma ordem que veio do centro. Acho que este é o tipo de exemplo que seria a mudança de paradigma. Agora, termos um líder que embora possa ter um outro estilo, mas que faça algumas coisas ainda não da mesma forma [que a liderança anterior], claro que ainda é cedo para termos um juízo claro em relação a isso, mas ainda não vi ousadia, e sim mudanças", conclui.
Esta é a primeira prova de fogo que Ossufo Momade enfrenta enquanto líder. A RENAMO tem conseguido sustentar uma imagem de coesão, mas o descontentamento em Sofala vem por a descoberto a insatisfação de alguns correligionários em relação à nova liderança do partido.
20 Anos de Paz em Moçambique: Uma viagem
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos.
Foto: Marta Barroso
A guerra presente todos os dias
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos. Joula estava grávida de oito meses quando uma mina anti-pessoal lhe arrancou um pé em 1991. Na noite anterior, a RENAMO tinha atacado a aldeia e plantado minas em redor.
Foto: Marta Barroso
De armas a enxadas... ou cadeiras
Desde 1996, o projeto "Armas em Enxadas" dá um novo destino ao material bélico que destruiu milhares de vidas durante a guerra civil. O objetivo da iniciativa, lançada pelo Conselho Cristão de Moçambique, é criar, com as armas, obras de arte com mensagens de paz. Muitas peças foram encontradas pelo país, outras foram recolhidas a privados.
Foto: Marta Barroso
Ataques inesperados
São as mesmas armas que há 20 anos eram usadas para atacar seres humanos como estes refugiados em Chamanculo, perto da capital, Maputo, em 1992. Chamanculo nunca recuperou da chegada de milhares de refugiados da guerra civil. Ainda hoje, é um bairro pobre. Foi aqui que nasceram figuras ilustres do país como Maria de Lurdes Mutola.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Ruas desertas em Maputo
A guerra, que se arrastou por 16 anos, atrasou o desenvolvimento do país. Também a vida social sofreu, até mesmo na capital. Engarrafamentos eram, durante a guerra e nos primeiros anos seguintes, algo raro como se pode ver nesta fotografia do centro de Maputo de 1992.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da guerra
Em 1990, Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo. Em 2011, ocupava o lugar 184 entre 187 Estados no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. 20 anos depois de assinada a paz, os moçambicanos continuam a viver, em média, 50 anos.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da paz
20 anos depois do Acordo Geral de Paz, ainda há muito que fazer no combate à pobreza em Moçambique. As províncias do Niassa, de Maputo, Cabo Delgado e Tete (na imagem) são, segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento, PNUD, as que têm maior incidência de pobreza no país.
Foto: Marta Barroso
Casa de Espera
Iniciativas como esta na aldeia de Vinho, no Parque Nacional da Gorongosa, província de Sofala, contribuem para diminuir a mortalidade infantil e materna. Atualmente, em Moçambique cerca de 500 mães morrem por cada 100 mil crianças nascidas vivas. Para evitar que isso aconteça na aldeia de Vinho, a Casa de Espera assiste as mulheres grávidas das redondezas na preparação dos partos.
Foto: Marta Barroso
Economia dominada por megaprojetos
A paz possibilitou megaprojetos, como o da exploração de carvão em Moatize, Tete. De futuro, a esperança é de que os rendimentos destes projetos beneficiem mais a população. Devido aos incentivos fiscais de que gozam as multinacionais ligadas a eles, o Estado moçambicano deixa de ganhar mais de 200 milhões de dólares por ano, segundo o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Foto: Marta Barroso
Carvão, a euforia de Tete
74 toneladas de carvão já estão carregadas nesta transportadora que pode levar até 400 toneladas. O carvão da província central de Tete tem vindo a atrair investidores nacionais e internacionais à procura do "El Dorado" que tem limitado a diversificação da economia nacional na segunda década de paz em Moçambique.
Foto: Marta Barroso
Cahora Bassa...
Durante a guerra civil, as linhas de transmissão de Cahora Bassa foram alvo de ataques da RENAMO. Hoje, a barragem funciona em pleno. Cahora Bassa tem uma capacidade instalada de 2.075 megawatts, a maior parte da energia é exportada para os países da região: 70% para a África do Sul e 5% para o Zimbabué. Apenas um quarto da eletricidade aqui produzida é consumida em Moçambique.
Foto: DW/M. Barroso
... um elefante branco para esta área do país?
Ainda há poucas casas em redor de Cahora Bassa com acesso regular à eletricidade. Para o economista moçambicano Carlos Castel-Branco do IESE, dever-se-iam estender as bases do desenvolvimento do país às aldeias e vilas em torno da barragem para que também aqui a vida económica se transformasse num elemento de estímulo para o investimento.
Foto: Marta Barroso
Gentes ligadas
A reabilitação das infraestruturas permite agora uma maior mobilidade e fomenta o comércio interno. A linha férrea de Sena liga a província de Tete, no interior de Moçambique, à cidade portuária da Beira. No tempo da guerra civil, foi encerrada e acabou por ser completamente destruída. Nos últimos anos, o corredor ferroviário foi reabilitado para escoar sobretudo o carvão da região de Tete.
Foto: Marta Barroso
Gentes apertadas
O comboio é um dos meios de transporte mais baratos em Moçambique. Em fevereiro de 2012, a Linha de Sena abriu a passageiros em toda a sua extensão. A reconstrução foi feita por troços e acabou por tomar muito mais tempo que o previsto, porque o consórcio indiano responsável pelas obras não cumpriu diversos prazos. Grande parte do dinheiro veio do Banco Mundial.
Foto: Marta Barroso
Há esperança em Moçambique
Idalina Melesse viajou de comboio pela primeira vez em 2012. Durante a guerra civil, os ataques impediram-na de se mover dentro do país. Desde então e até à reabertura da Linha de Sena, não tinha tido dinheiro para longas viagens. A Linha de Sena e outras infraestruturas não só unem moçambicanos, mas devolvem-lhes a liberdade de movimento e a facilidade de comunicação confiscadas pela guerra.